domingo, 21 de outubro de 2012

HORAS




Essa cambada acordou às dez da noite. Tinham desabado cada um em camas dos quartos, sofá da sala, redes e sofás das varandas, às sete. Eu, anfitrião, perdi os sentidos às seis, mas por volta das sete e qualquer coisa tava de pé.

Pois bem.

Eles chegaram a partir do meio-dia trazendo sacolas, embrulhos com ingredientes culinários de toda monta, isto aquilo e aquilo outro, até hóstia para fazer base ao caviar.

Duas majestosas lagostas decoradas com três fiotes, um trem de arrepiar. Canelone feita em casa, assim como seu molho de tomates. Camarão de mares de deuses.

Tomamos de um tudo: tinto, branco, sevada e branquinha que só um sorveu meia garrafa. Assim, na veia, liberando os conformes.

Viver, no bastante, perdeu controles.  A gente foi fundo nas prosas, regadas a música que surgia do IPod, aleatoriamente em ritmos e intérpretes. Ajudava à química forjada em anos de cumplicidade, admiração e respeito recíprocos.

Foi de muito e encerrou às seis, quando todos capitulamos aos alcoóis e às lagostas com seus fiotes, às prosas e aos sons de bons acordes e até fados.

Quando acordei estavam Ela e duas outras conversando na cozinha. Juntei-me a elas até as dez, quando a récua começou a aparecer de novo.

- Vamos fazer só o canelone?

Não. O camarão também saiu salteado, exalando da frigideira um perfume que deixou até a Zuca incrédula.
Eram duas da madruga, quando servimos.

- “Eu posso morrer hoje.” Disse alguém, para enunciar o que verdadeiramente basta.

Passava das três e tantas, quando subimos para recolher corpos e espíritos. Sentamos todos à mesa e abrimos a décima-quarta garrafa de um tinto cujo rótulo dava sinal de como estávamos: DOMADOS.

Ao longo do dia alguns disseram: cuidado com o que falam e fazem porque o Agulhô põe na rede.

Resolvi que não. No fundo não cabe denunciar os protagonistas, pois seguramente eles correriam o risco de serem assediados em busca de receita.

Viver não admite roteiros. Demanda outras engenharias mais simples e fundas.


Até breve.

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