Hoje, dia reservado às crianças, eu
tenho motivos de sobra. Mas não. Liz e os outros netos vindouros ainda não me
dão repertório para ocupar-me. Volto, então, a um assunto que entendo estar
relacionado exatamente a elas: o futuro.
Em 1972 em cumpri o serviço militar
obrigatório. Meus pais viviam com os nervos à flor da pele, receosos de que
pudesse se repetir a história ocorrida com meu irmão dois anos antes. Getúlio,
que recebeu este nome por força de Vargas, havia sido expulso da Polícia
Especial do Exército, em Brasília, por ter sido confundido com um militante da
ALN - Aliança Libertadora Nacional organização clandestina que lutava contra a
ditadura.
Fiz tudo como a caserna determinava
e poupei meus velhos do dissabor. Minha dor de época era destilada nas incontáveis
e inesquecíveis madrugadas adentro nos debates com alguns de meus amigos que,
como eu, padeciam de sonhos juvenis. A palavra de ordem era Liberdade.
Os bancos da Praça Duque de Caxias,
em Santa Teresa, devem ainda ter as marcas dos nossos pés e os espíritos que
ali perambulam devem ouvir sons de nossas conversas permeadas de Marx, Engels,
Trotsky, Bacunin, Malatesta, Marcuse, Maritain, Paulo Freire, para citar apenas
alguns que nos faziam o sangue ferver acreditando estar vivendo um momento
histórico e relevante.
Quis a vida orientar-me por outras
estradas, mas não ficarei jamais livre da química que forjou meu sangue por
aquelas leituras e pelo meu incorrigível desejo de manifestar-me. Mas o
personagem deste post não sou eu é outro: o revolucionário, esse sujeito
histórico e trágico que avança na direção de suas convicções apaixonadas e
desmedidas.
Estávamos sob a égide do Ato
Institucional n.o 5, promulgado em dezembro de 1968, que dilacerou tantas
histórias pessoais e familiares. E ele deu sustentáculo a inúmeras barbáries
que assim como o Holocausto, não podem jamais serem esquecidas.
Tomo de exemplo de sujeito
revolucionário, para compor meu singelo personagem, um nome histórico: José
Dirceu. Suponho que sei o que corre nas suas veias e desejo, com a mais pura
intenção, que seja verdade: esse sujeito, parece, dedicou-se ao longo de toda vida
a uma causa nobre, as melhores condições de vida para o povo de seu país.
Foi assim na época do regime de
exceção. Pegou em armas, assaltou bancos para financiar os aparelhos, tudo em
nome da causa, quando foi banido, trocado por embaixador americano, ficou
exilado durante anos, voltou ao Brasil, viveu clandestinamente e retornou a
esfera política face aos novos ventos.
Trinta anos depois, a história lhe
reserva o poder. Ele o assume de forma absoluta com todos e amplos poderes e vê,
diante de si, a oportunidade da práxis transformadora.
O personagem nos permite refletir
sobre ética. A ética não reside nos fins, mas nos meios. Nada me parece mais
nobre do que desejar e lutar por um país melhor. Não me parece, contudo, sadio
que se passe pelo concurso de armas e nem de outros métodos ainda que extraídos
de práticas delituosas utilizadas pelos inimigos. Não.
Nosso personagem é julgado agora
por razões objetivas e restritas aquilo que consta nos autos da denúncia feita
pelo Ministério Público e endereçada à Suprema Corte. Os métodos utilizados,
criminosos, não podem ser compensados e nem considerados olhados pela trajetória
dos propósitos.
Esta é a maior lição, supostamente
óbvia, que retiro ao refletir sobre essas quatro décadas. A LIBERDADE, esse dom
mais profundo, assim como a dignidade, jamais podem se afastar dos princípios
do estado de direito, base sólida para que eu e o outro vivamos em comunidade.
Os eminentes e extraordinários
Ministros do STF, que me enchem de orgulho, criaram no episódio, jurisprudência:
lute, lute, lute sempre, mas jamais perca de vista os meios e, sobretudo, os
métodos que os sustentam.
Ao incendiar Roma, para extirpar a
luxúria, Nero incendiou Roma.
Até breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário