Trata-se agora do seguinte: qual é a
função do velho?
De uma modelo ou atleta com trinta
ou poucos mais anos de idade? De um juiz do STF com mais de setenta? De um
executivo afastado compulsoriamente de suas atividades por força de acordos ou
convenções corporativas aos sessenta e cinco?
De mim, agora avô?
Não falo das funções operativas,
essas que nos ocupam e nos dão a dimensão moral da vida, para que não sejamos
taxados de vagabundos, párias, desprezíveis e das quais extraímos o pão suado
de cada dia e outras necessidades inclusive as mais sofisticadas, para não
dizer supérfluas.
Outro dia propus a uma amiga que
fizéssemos um esforço para nos ocuparmos com afazeres não operacionais.
- “E existem?” Ela me perguntou incrédula.
Tenho até receio de estar propondo
esta reflexão. É que não sobrou nada para nós senão operarmos, como se precisássemos
de nos ocupar e de tal sorte e com tal intensidade que se nos depararmos com o
ócio deliberado nos descobriremos vazios.
Vazios?
Caramba, “ninguém tem tempo prá nada”, é a expressão do contemporâneo. “Trabalho que nem um louco, estudo, faço
isto e faço aquilo, corro daqui para ali, meu horário não dá prá nada, viajo a
semana inteira, almoço comida a quilo e rápida, só paro quando fecho os olhos e
não sonho porque estou exausto.”
Não sei, mas acho que o velho,
aquele que deixa a sala de estar e vai para os aposentos que ficam atrás das
moradias, e deixa a lida louca tem uma chance de descobrir não só uma função,
mas e, sobretudo, um sentido.
Meu sangue me falou disso ontem,
quando fiquei à mercê de Liz.
Às segundas-feiras tenho agenda, de
dia inteiro de reuniões, em uma organização da qual sou conselheiro. E por
razões que não importam aqui a agenda foi alterada. Em tese fiquei a toa.
No domingo, Pretinha já havia me consultado
se eu iria “trabalhar” no dia seguinte e, quando eu respondi que não ela me
perguntou:
- Pai, você me leva com a Liz para
ela tomar vacinas?
Combinamos para as dez e trinta e
por força do hábito, cheguei à reunião, ou melhor, ao apartamento de Pretinha
às dez e trinta. O cérebro e o corpo macerados pelo fazer executivo, consultor,
conselheiro estranham afazeres dessemelhantes. Montei a banheira, enchi o balde
de água quente do chuveiro, ajudei Pretinha a tirar as roupinhas de Liz e fiz
firulas enquanto minha netinha se banhava. Meu coração ficou tonto nesse
afazer.
Coloquei Liz no bebê-conforto e o fixei
no suporte no banco traseiro do carro. Dirigimos-nos para o Posto de Saúde. Lá
Pretinha resolveu que não convinha utilizar uma das vacinas oferecidas e fomos
a uma drogaria que conta com um setor especializado. Ali fizemos a vacinação conforme
se estabelece para crianças com dois meses de idade.
Enquanto o responsável pela
vacinação resolvia questões administrativas do convênio eu passeei com Liz que
me fitava com aquele olhar que não sei ainda. E fui brindado pela dificuldade
do rapaz que demorou mais de quarenta minutos para se desvencilhar da papelada
e autorizar a vacinação, condicionada a entrega ontem mesmo de um pedido da
pediatra detalhando uma a uma das vacinas aplicadas.
Enquanto andava para lá e para cá,
com Liz no meu colo, eu me perguntei se a vida não é valiosa por esses
especiais momentos, em que estamos a serviço de algo trivial, comum, familiar.
Claro que já teria vivido momentos semelhantes com meus três filhos, mas agora
Liz me dá um gosto novo, renovado.
Deixei Pretinha e Liz em casa, e
sai correndo para ir ao velório de uma senhora mãe de um amigo. Fiquei ali por
alguns minutos e em seguida fui à pediatra de Liz para que ela emitisse a
solicitação das vacinas para que a drogaria fizesse a fatura contra o convênio.
Deixei o papel na drogaria e voltei ao apartamento de Pretinha.
Tomei Liz novamente nos braços e a
vi aos poucos fechando seus olhinhos em um sono provocador.
Perdoem-me, mas estou adorando ser
velho.
Avô.
Até breve.
Lozinho,
ResponderExcluirontem nos falamos por telefone e logo no início da conversa, naquela parte do "como vai?", falei que estava indo trabalhar "afinal, tem que garantir o leite do Léo", e acabei soltando uma palavra que, sinceramente, ficou comigo pelas próximas horas. Ao telefone brinquei que agora você esta "aposentado", e quando chega hoje me surpreendo com este post.
Quero me redimir e esclarecer que aposentar tem muitos sinônimos e um deles é nutrir, como no uso em "Nutrir grande amor pelos netos".
Forte abraço
Esse vovô NO NO NO NO NO.. está mesmo especialista!!! Que bom que você pode vivenciar e compartilhar todo esse amor com essa florzinha linda, que nos encanta ainda mais a cada dia... Este é um modo interessante de tratar a velhice, com disposição de ser e de fazer acontecer.. renovando energias e criando momentos simples de eterno prazer.. bjo
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