Deixo, por um momento, os meus
enredos ficcionais e vou ao encontro do que se passa nos arredores do real.
Ficará mais claro para quem ouviu e/ou viu notícias ontem a respeito de CPI e
Mensalão.
Houve uma época, embora a prática
seja milenar, que levavam inocentes aos porões e lá, sob vil tortura, os
obrigavam a dizer a verdade. No desespero, não foram poucos aqueles que
produziram uma verdade que fosse aceita pelos seus algozes.
Sobre essa época, a qual me refiro,
há um livro (eu tinha na minha biblioteca, mas por empréstimo ficou em
definitivo) que nos legou um extenso e doloroso relato: BRASIL NUNCA MAIS.
Resultou da época, eu suponho, na
Constituição de 1988 a lavratura de um direito:
“Não será imposta a ninguém a obrigação de dizer algo
que possa vir a se constituir prova contra si próprio.”
Assim, eu também suponho, por força
disto, nos dias de hoje não são raras as situações em que os réus se silenciam.
- “Gozo de meu direito constitucional e vou manter-me em silêncio.”
Ontem na CPI não foi diferente.
Convocada, a princípio como testemunha no processo que envolve seu atual marido
em cachoeira de lama, a agora ré (está sendo acusada de tentar cooptar um juiz)
manteve-se em silêncio usando a frase acima como argumento.
Interpelada por uma das deputadas integrantes
da Comissão (esta, por sua vez, acusada pela ré de ter ido várias vezes à casa dela
para buscar dinheiro com seu atual marido para cobrir despesas de campanhas
políticas) a ré manteve-se em rigoroso e ardiloso silêncio.
A deputada, possessa, disse que a
ré deixara de ser a bela e passara a ser a fera e seria bom que ela tomasse
cuidado para não ser enjaulada. O texto ficou confuso? Afinal quem vai ser
enjaulada: a ré ou a deputada? Ou ambas? Dou uma única alternativa a você
leitor para apontar a resposta. É essa mesmo: nem uma e nem outra.
Já no processo que julga o Mensalão
uma das acusadas teve, como instrumento de defesa escolhido pelo seu advogado,
a tese de que sua cliente na estrutura da quadrilha ocupava um posto sem
relevância:
- “Ela era um mequetrefe, como dizem lá no norte de Minas...”
Triste real trazido pelo tempo. Por
isto e por muito mais do que isto tenho optado pelos meus enredos ficcionais.
Há na letra de “O tempo não para”
de Cazuza alguns versos que cabem:
“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
Os criminosos que torturaram e
mataram inocentes nos porões da ditadura, para obterem a verdade desejada, ficaram
e manter-se-ão impunes.
Os criminosos que nos vilipendiam, acobertados
pelo direito ao silêncio, continuam e continuarão impunes.
O dramático da História é que todos
sabemos a verdade, embora ela se encontre escamoteada por toda parte, e
continuamos padecendo por fazê-la desnecessária.
Melhor eu voltar à ficção miúda e
íntima.
Até breve.
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