quarta-feira, 8 de agosto de 2012

NUBLINA




Deixo, por um momento, os meus enredos ficcionais e vou ao encontro do que se passa nos arredores do real. Ficará mais claro para quem ouviu e/ou viu notícias ontem a respeito de CPI e Mensalão.

Houve uma época, embora a prática seja milenar, que levavam inocentes aos porões e lá, sob vil tortura, os obrigavam a dizer a verdade. No desespero, não foram poucos aqueles que produziram uma verdade que fosse aceita pelos seus algozes.

Sobre essa época, a qual me refiro, há um livro (eu tinha na minha biblioteca, mas por empréstimo ficou em definitivo) que nos legou um extenso e doloroso relato: BRASIL NUNCA MAIS.

Resultou da época, eu suponho, na Constituição de 1988 a lavratura de um direito:

“Não será imposta a ninguém a obrigação de dizer algo que possa vir a se constituir prova contra si próprio.”

Assim, eu também suponho, por força disto, nos dias de hoje não são raras as situações em que os réus se silenciam.

- “Gozo de meu direito constitucional e vou manter-me em silêncio.”

Ontem na CPI não foi diferente. Convocada, a princípio como testemunha no processo que envolve seu atual marido em cachoeira de lama, a agora ré (está sendo acusada de tentar cooptar um juiz) manteve-se em silêncio usando a frase acima como argumento.

Interpelada por uma das deputadas integrantes da Comissão (esta, por sua vez, acusada pela ré de ter ido várias vezes à casa dela para buscar dinheiro com seu atual marido para cobrir despesas de campanhas políticas) a ré manteve-se em rigoroso e ardiloso silêncio.

A deputada, possessa, disse que a ré deixara de ser a bela e passara a ser a fera e seria bom que ela tomasse cuidado para não ser enjaulada. O texto ficou confuso? Afinal quem vai ser enjaulada: a ré ou a deputada? Ou ambas? Dou uma única alternativa a você leitor para apontar a resposta. É essa mesmo: nem uma e nem outra.

Já no processo que julga o Mensalão uma das acusadas teve, como instrumento de defesa escolhido pelo seu advogado, a tese de que sua cliente na estrutura da quadrilha ocupava um posto sem relevância:

- “Ela era um mequetrefe, como dizem lá no norte de Minas...”

Triste real trazido pelo tempo. Por isto e por muito mais do que isto tenho optado pelos meus enredos ficcionais.

Há na letra de “O tempo não para” de Cazuza alguns versos que cabem:

“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades

Os criminosos que torturaram e mataram inocentes nos porões da ditadura, para obterem a verdade desejada, ficaram e manter-se-ão impunes.

Os criminosos que nos vilipendiam, acobertados pelo direito ao silêncio, continuam e continuarão impunes.

O dramático da História é que todos sabemos a verdade, embora ela se encontre escamoteada por toda parte, e continuamos padecendo por fazê-la desnecessária.

Melhor eu voltar à ficção miúda e íntima.


Até breve.

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