Ontem, final da tarde, fomos
lanchar na casa de Elde e Elia. Fazemos esse programa há vários anos, pelo
menos uma vez a cada mês. Às vezes ocorre de se repetir com maior freqüência,
às vezes se espaça. Mas é um programa incorporado à nossa vida.
Elde e Elia são amigos do
condomínio em Santa Luzia. Frequentava os lanches, aos sábados, outro casal
amigo: Laza e Cid. Laza e Cid mudaram-se há coisa de uns dois anos.
Enquanto estávamos os três casais
vivemos momentos inesquecíveis, aos sábados. As mulheres tricotando suas
intrigas, maledicências, cortes e costuras e outras feminices. Nós, os três,
nunca tivemos uma conversa que pudesse ter enriquecido o espírito ou à
inteligência, mas o fígado por força daqueles momentos ganhou sobrevida.
Elde é um sujeito ímpar pela sua
ingenuidade e Laza um canalha. Essa composição juntando à minha ironia perversa
dava uma combustão extraordinária. Elde era vítima e se servia como tal com
maestria. Aprontávamos eu e Laza prá cima de Elde e, como resultante, eram
gargalhadas de perder o fôlego.
Qualquer um que não soubesse do
patrimônio vivencial do trio, que chegasse inadvertidamente, pensaria que
éramos inimigos mortais. Especialmente Laza e Elde, vizinhos de áreas
contíguas.
Certa vez esses dois viajaram para
o Rio de Janeiro, instalando-se em Copacabana. Passaram o dia inteiro na praia
e tomaram todas e beliscaram de um tudo. O garçom trouxe a vultosa conta e
apresentou-a a Laza:
- Só isso?!!! Gritou Laza.
O garçom tomou um susto.
- Você sabe quem é aquele sujeito ali? Indagou Laza ao garçom
apontando para Elde que, à distância, não participava da conversa.
- Não, respondeu o garçom.
- Tá vendo aquela cobertura... e aquela outra... e aquele prédio mais ali
adiante? É tudo do meu amigo ali. Como que você apresenta uma conta tão baixa?
O garçom incrédulo só melhorou
quando Laza:
- Amanhã nós vamos voltar aqui e você faça o favor de dobrar o valor da
conta pra ele pagar, entendeu? Ele não costa de pagar conta pequena... Tem
dinheiro prá ...
Até ontem, Elde não sabe por que no
dia seguinte do episódio o garçom só faltou levá-lo a força para que Elde
sentasse à mesa do bar em que servia. Laza logo que saiu do bar no dia do
episódio teria dito a Elde:
- Esse bar é muito ruim, amanhã vamos a outro.
Noutra viagem, na mesma Copacabana,
Laza escolheu aleatoriamente um sujeito e pediu a esse que fosse ao encontro de
Elde.
- Ei, o senhor é o Elde?
- Elde? Sou eu, por quê?
- Elde, o grande craque de Divinópolis?
- Eu mesmo.
- Eu não acredito! Estou tão emocionado...
- Como você me reconheceu? Perguntou o idiota do Elde com as
mãos nas cadeiras, peito estufado prá frente e com o olhar de celebridade para
o sujeito pago pelo Laza para surpreendê-lo.
Noutra viagem ainda, na mesma
Copacabana, Laza insistiu para que Elde comprasse um daqueles óculos escuros
vendidos por camelôs ao longo da praia. Elde comprou e passou a usá-los. Em
certo momento aproximou-se um casal de amigos de Laza, empresários bem
sucedidos e famosos no Jet Set
carioca. Elde encheu-se de importância quando Laza convidou o casal para
sentarem-se junto a eles. Elde fez pose e dirigiu-se ao empresário para fazer
uma colocação qualquer, quando as lentes dos óculos Cartian desprenderam-se da
armação e acertaram em cheio o rosto do empresário.
Em outra oportunidade, Elde comprou
uma garrafa de vinho na padaria próxima ao apartamento em Copacabana onde eles
ficavam hospedados. Quando chegou de volta ao apartamento, Elde abriu a garrafa
e constatou que o vinho estava estragado. Chamou Laza para ir com ele à padaria
para reclamar.
Chegando à padaria, encontraram uma
fila imensa e Laza ficou esperando Elde na calçada. Quando Elde chegou à
atendente e fazia o maior carnaval por conta da garrafa de vinho estragado ele surpreendeu-se
com Laza lá atrás na fila.
- Ô menina! Manda esse cara ir pastar! Quê sujeito mais besta esse... Ô
cabeção, libera a fila aí, ô idiota...
Laza é um canalha. Divorciado da
primeira mulher havia alguns meses, ele sentiu falta das reclamações da
ex-esposa quando ele escapulia para as noitadas. Laza então pediu a uma amiga
que ela gravasse em fita cassete os reclames de sua ex-esposa. Assim, quando
ele ia sair, já divorciado e morando sozinho, Laza colocava a fita e ouvia a
gravação da amiga imitando a ex-esposa:
- Já vai, né seu vagabundo? Vê lá que hora que você vai voltar, viu seu
irresponsável?
E quando ele voltava para casa,
Laza colocava outra parte gravada:
- Isso são horas de chegar, infeliz?
Só depois Laza ia dormir o sono dos
ébrios e livres.
Acabei ocupando-me mais de Laza do
que de Elde. De qualquer forma, ontem quando saíamos da casa de Elde depois de
nos fartarmos, estávamos já na rua ele saiu com essa?
- Agulhô, você sabe o que me aconteceu hoje?
- Não, o que Elde?
Elde e Elia haviam ido almoçar
fora, quando voltaram Elde parou o carro na frente da garage. Acionou o
controle remoto e o portão não abriu. Elde desceu do carro e pulou a grade da
frente de sua casa já que o acesso só é possível pelo portão da garage. Elia
também fez o mesmo e ficou preocupada com o surto psicotérmico do marido que,
aos gritos:
- Só faltava essa! Essa merda desse portão não funcionar!
Foram ambos, para se acalmarem,
regar o jardim pensando em ter que mandar arrumar o “desgraçado” do portão.
Somente na “merda” da segunda-feira quando achassem um “infeliz” de um mecânico
para arrumar a “porra” do portão, além do que o “porcaria”do carro teria que
dormir na “bosta” do sereno.
Refeitos do desgaste, regadas as
flores do imenso e maravilhoso jardim, Elde colocou-se de frente ao portão do
lado de dentro da casa e acionou o controle remoto.
- Elia, a merda do portão abriu!!!
Nosso condomínio fica dentro de uma
mata. Agosto venta muito. Com freqüência há problemas na rede elétrica por
força de galhos que colidem com a rede fazendo com que as chaves de segurança
do sistema se desarmem. Ontem aconteceu. Pouco tempo depois, a companhia
recuperou o defeito.
A besta esqueceu-se de que o portão
é eletrônico.
Até breve.