Era de se
esperar mais de alguém aos sessenta anos. Do que construir esses diálogos com
uma neta que ainda sequer está no meio de nós. Era de se esperar que um sujeito
que trabalhou durante vinte anos como executivo em quatro grandes empresas e há
outros vinte prestando consultoria e atuando em conselhos, além de dez anos como
professor em três das maiores e mais conceituadas escolas de negócios do país.
E se, de
fato, ele não tiver nada a dizer desses quarenta anos além daquilo que já foi
trazido aqui? Pois então: esse sujeito não tem mais nada a dizer sobre esses
quarenta anos. E, mais do que isto, na verdade ele não quer dizer mais nada
sobre.
A mim
importa o adiante.
E adiante
está a infância e, no máximo, a juventude. Meu projeto passa por entender o
porvir na perspectiva dos meus netos, que não quero poucos. Quero ser mais
jovem do que eles, não no corpo porque pouco me importa, mas no brilho.
Quero ir ao
encontro do singelo, do ingênuo, do puro, do limpo, da alegria. Quero ter olhos
de Catarina e de Roninho e dramar expressões do apaixonado, ou do triste, ou de
susto. Fazer caretas. Quero mostrar onde estão os meus dedos, minha barriga,
meus olhos, meu nariz, minha boca, quero repetir inúmeras vezes as mesmas
coisas para mostrar que aprendo.
Quero rir.
Quero que em
meus netos eu renasça todos os dias e que juntos tramemos andanças e
traquinagens. Quero construir o meu próprio mundo e acreditá-lo possível, mesmo
que eu vista fantasias e coloridas. Máscaras, capacetes, capas que me façam voar.
Quero me acreditar herói menino. Quero lutar contra monstros, alienígenas,
animais colossais e toda sorte de males. Dormirei exausto e sonharei que fui
útil.
Agora me
interessa o que interessa: viver.
Liz, essa flor
simbólica e profunda que me habita, me enche de uma tremenda esperança: a de
voltar a ser menino, então poeta. Fazer de cada segundo um verso e de cada
olhar uma rima. Por um poema à mesa e degustá-lo com paixão, lambrecando-me
todo de excessos. Perder-me tempos a fio com uma pazinha, um baldinho, dentro
de uma caixa de areia. Com centrar-me.
Depois, quando
for mesmo a hora pegar um balão e ir.
É que hoje,
pela manhã, tocou o telefone. Era a esposa de um amigo para nos comunicar que ele acabara de falecer.
Até breve, espero.
é.. este é o ciclo da vida.. que venham muitos netos para permitir essa renovação e o caminhar de muito a descobrir ainda. beijos
ResponderExcluirVocê esta coberto de razão, mas de vez em quando não custa tirar do fundo do baú algumas de suas experiências destes 40 anos de trabalho.
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