Próximo ao prédio de apartamentos onde moro estão
construindo, há seis meses, duas torres de hotéis. Uma com dezoito e outra com
vinte andares.
A obra implicou na demolição de quatro casas, um pequeno
prédio antigo de cinco andares (dez apartamentos) além da ocupação
da área de um grande pátio de estacionamento para veículos.
Ocorre que, por força de contrato de aluguel, resiste ilhada
no meio do terreno destinado à construção, uma casa onde há vários anos
funciona uma escola de música.
Antes da obra eu ouvia com freqüência alguns acordes
repetidos inúmeras vezes a guisa de aprendizado e, não raras vezes, tentativas
de vozes à procura da afinação. Agora isto não se faz mais possível uma vez que
sobressaem estrondos de bate-estacas, caminhões de concreto, esmerilhadeiras,
martelos e marteletes. Salvo aos domingos que, por força da suspensão da obra,
ainda ouço sons de aprendizes como uivos agonizantes vindos da escola que
resiste.
Ontem assistimos na Mostra Internacional do Cinema da TV Cultura
ao filme TULPAN. O filme premiado em diferentes
festivais mundo afora do diretor casaquistão Sergey Dvortsevoy conta com um
elenco em que apenas uma das atrizes é profissional. Para todos os demais
personagens Sergey contou com pessoas sem experiência cinematográfica.
O filme trata da volta para casa de um jovem ex-marinheiro
que, para manter-se, precisa cuidar de um rebanho de ovelhas. Vivendo com a
família de uma irmã, o cunhado e três sobrinhos em uma estepe agreste a
quinhentos quilômetros da cidade mais próxima. Para se manter deve receber um
rebanho para cuidar e, para que isto ocorra, precisa se casar.
A única jovem disponível é Tulpan que o rejeita alegando que
ele tem as orelhas grandes demais. Ela nunca se apresenta a ele, ficando ao
longo de todo o filme dentro de uma barraca ou em um curral coberto e com as
portas trancadas. Não aparece em nenhum momento do filme.
Antes do filme havíamos assistido a uma entrevista com o
escritor João Ubaldo Ribeiro. Ele diz que a memória é um recurso que se torna
desnecessário a passos largos. “Não nos lembramos
mais do número do nosso celular.” No passado (antes da imprensa) a memória
era elemento indispensável à transmissão de cultura.
Noutra entrevista um conceituado e respeitado cientista
comentava sobre a inútil preocupação da sociedade não esclarecida com o
aquecimento global decorrente do progresso descontrolado e insustentável. Para
ele é uma tremenda bobagem já que nós, humanos, somos uma insignificante
partícula no macrocosmo e, embora possam parecer desastrosas as nossas ações
não afetarão nem no curto e nem no longo prazo o clima do planeta.
Tudo isto me fez pensar.
Sei não. Tudo bem que a gente possa até a não explodir o
planeta. Mas e a música, o silêncio, as condições de sobrevivência, a memória?
Liz, vinda da faculdade ontem à tarde, me pediu que a
ajudasse a desenvolver uma monografia cujo tema é Tendências.
Não consegui.
Até breve.
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