Pretinha e Claudinho insistiram conosco para que víssemos um
filme que eles assistiram na última sexta-feira e que nitidamente os
impressionou. Propuseram, ontem, nos emprestar o DVD pego em locadora para que
no final do dia pudéssemos assisti-lo. Ela queria gastar o final da tarde e
início da noite dando continuidade nos bordados prá netinha e eu por em dia
meus papéis. Assim, não aceitamos o empréstimo.
À noite, quando liguei a TV e zapeei a procura do que ver me
deparei, por acaso, com a programação do filme para as 22:00 horas.
- Bem, olha... Vai passar o filme que Pretinha queria
que víssemos...
- Vamos ver então.
A gente tem uma certa reserva a filmes americanos. Esse não
foge a regra em alguns clichês, mas atinge para reflexão. Annie é uma adolescente
que vive, naturalmente, seu processo de afirmação pessoal e social. Compõe
junto com dois irmãos, o mais velho que ingressa na faculdade, uma irmã mais
nova e com os pais uma família feliz e harmoniosa.
No dia de seu aniversário ganha do pai um macbook. Na rede
encontra Charlie com quem passa a se relacionar virtualmente. Ele a aconselha
para que ela possa ingressar para o time de vôlei da escola, escuta-a com
atenção, é carinhoso e, aos poucos a leva a acreditar em ser linda e sensual,
embora, até então ela se achasse desengonçada e desinteressante.
Charlie apresenta-se como estudante do colegial e com 16 anos
de idade, depois diz que tem 20 e está na faculdade e mais à frente diz que tem
25 anos e já é formado. Ela já está irremediavelmente apaixonada. Marcam um
encontro em um shopping e Annie se desespera ao conhecer Charlie pessoalmente,
um homem de 35 anos de idade.
Ele a tranqüiliza, diz que o fato dele ter a idade mais
avançada do que a dela não muda nada. Lancham no shopping e ele a leva para o
carro onde pede que ela abra o presente que ele havia lhe dado. Ela abre o
pacote e encontra lingerie vermelha. Charlie leva
a jovem para um motel.
Dias depois Annie procura insistentemente falar com Charlie
via web ou pelo celular. Ele desaparece. Annie confidencia com uma colega que
informa à conselheira da escola, que imediatamente chama a polícia e a leva ao
hospital para coletar provas do estupro.
Daí em diante abre-se o drama familiar. Os pais se perguntam
onde erraram. Annie colide frontalmente especialmente com o pai a quem diz, em
cena marcante, que ela não foi estuprada. Annie mantém sua posição acreditando
que Charlie e ela estavam vivendo uma paixão. Até que o agente do FBI colocado
para investigar o caso apresenta a Annie e aos pais outras possíveis vítimas de
Charlie. Uma com dezesseis, outra com quatorze e outra com doze anos de idade.
Annie sai em disparada de bicicleta à procura de sua terapeuta. No consultório,
aos prantos, conclui que ela havia sido sim estuprada.
No fundo, incomoda.
Para além do enredo permito-me refletir. Penso que tem sido
assim. Lenta, gradual e sistematicamente somos levados ao consumo apaixonado e
recusamos a idéia de que não, isso diz de nosso desejo mais autêntico. Charlie,
essa mídia velhaca e sedutora nos acena com lingeries vermelhas e caímos de
cabeça acreditando que somos distintos, sujeitos da modernidade e célebres.
Nossa individualidade, nossa pessoalidade, nossa inserção só se torna possível
na trupe pelo portfólio.
Há uma cena importante ainda a relatar. Numa manhã de
inverno, Annie encontra o pai no jardim, envolto em cobertores escornado em uma
cadeira. Ele diz à filha que quando ela era pequena ele a levava para piscina e
ficava impressionado como ela era destemida e segura, diferente do irmão mais
velho que chorava receoso de pular. O pai, numa convulsão, declara que se sente
responsável por não ter sido capaz de protegê-la.
No fundo, incomoda.
A lei não basta. O código de princípios, de valores, de
conduta já não dá conta e nem instrui ou governa. Estamos todos a mercê da
barbárie. E o que é mais impactante: não há violência. Desde muito cedo os
indivíduos são inoculados pela desenfreada necessidade do ter para ser, e vão
lentamente se perdendo, como na cena em que Charlie despe Annie de suas mais
caras certezas.
No fim, após o filme ter terminado, quando estão sendo
informados os créditos da película há ainda uma cena. Charlie é pai de família,
brinca em um parque com seu filhinho em companhia de sua esposa e uma criança
vem ao seu encontro para apresentar aos seus pais o seu querido professor de
Física.
Posso entender porque Pretinha e Claudinho se impressionaram
tanto.
O estupro do moderno não se faz sob violência. Nesse filme, e americano, não há herói.
Até breve.
CONFIAR > Filme de drama norte-americano
de 2010 dirigido por David Schwimmer e estrelado por Liana Liberato, que atua ao lado de Clive Owen e Catherine Keener.
Agulho
ResponderExcluirTambem assistimos este filme , tambem pela informação da Pretinha .
Parabens pela analise do filme dos fatos da vida real .
Tambem me senti incomodado com muitas das cenas e o sentimento de culpa apresentado pelo pai , acho que o temor do ato de estrupo abala qualquer pai e a minha incertesa de estar fazendo todo o possivel para proteger nossos flhos e um fato real que muito me incomoda