segunda-feira, 25 de junho de 2012

DOMINGO



Pretinha e Claudinho insistiram conosco para que víssemos um filme que eles assistiram na última sexta-feira e que nitidamente os impressionou. Propuseram, ontem, nos emprestar o DVD pego em locadora para que no final do dia pudéssemos assisti-lo. Ela queria gastar o final da tarde e início da noite dando continuidade nos bordados prá netinha e eu por em dia meus papéis. Assim, não aceitamos o empréstimo.

À noite, quando liguei a TV e zapeei a procura do que ver me deparei, por acaso, com a programação do filme para as 22:00 horas.

- Bem, olha... Vai passar o filme que Pretinha queria que víssemos...
- Vamos ver então.

A gente tem uma certa reserva a filmes americanos. Esse não foge a regra em alguns clichês, mas atinge para reflexão. Annie é uma adolescente que vive, naturalmente, seu processo de afirmação pessoal e social. Compõe junto com dois irmãos, o mais velho que ingressa na faculdade, uma irmã mais nova e com os pais uma família feliz e harmoniosa.

No dia de seu aniversário ganha do pai um macbook. Na rede encontra Charlie com quem passa a se relacionar virtualmente. Ele a aconselha para que ela possa ingressar para o time de vôlei da escola, escuta-a com atenção, é carinhoso e, aos poucos a leva a acreditar em ser linda e sensual, embora, até então ela se achasse desengonçada e desinteressante.

Charlie apresenta-se como estudante do colegial e com 16 anos de idade, depois diz que tem 20 e está na faculdade e mais à frente diz que tem 25 anos e já é formado. Ela já está irremediavelmente apaixonada. Marcam um encontro em um shopping e Annie se desespera ao conhecer Charlie pessoalmente, um homem de 35 anos de idade.

Ele a tranqüiliza, diz que o fato dele ter a idade mais avançada do que a dela não muda nada. Lancham no shopping e ele a leva para o carro onde pede que ela abra o presente que ele havia lhe dado. Ela abre o pacote e encontra lingerie vermelha.  Charlie leva a jovem para um motel.

Dias depois Annie procura insistentemente falar com Charlie via web ou pelo celular. Ele desaparece. Annie confidencia com uma colega que informa à conselheira da escola, que imediatamente chama a polícia e a leva ao hospital para coletar provas do estupro.

Daí em diante abre-se o drama familiar. Os pais se perguntam onde erraram. Annie colide frontalmente especialmente com o pai a quem diz, em cena marcante, que ela não foi estuprada. Annie mantém sua posição acreditando que Charlie e ela estavam vivendo uma paixão. Até que o agente do FBI colocado para investigar o caso apresenta a Annie e aos pais outras possíveis vítimas de Charlie. Uma com dezesseis, outra com quatorze e outra com doze anos de idade. Annie sai em disparada de bicicleta à procura de sua terapeuta. No consultório, aos prantos, conclui que ela havia sido sim estuprada.

No fundo, incomoda.

Para além do enredo permito-me refletir. Penso que tem sido assim. Lenta, gradual e sistematicamente somos levados ao consumo apaixonado e recusamos a idéia de que não, isso diz de nosso desejo mais autêntico. Charlie, essa mídia velhaca e sedutora nos acena com lingeries vermelhas e caímos de cabeça acreditando que somos distintos, sujeitos da modernidade e célebres. Nossa individualidade, nossa pessoalidade, nossa inserção só se torna possível na trupe pelo portfólio.

Há uma cena importante ainda a relatar. Numa manhã de inverno, Annie encontra o pai no jardim, envolto em cobertores escornado em uma cadeira. Ele diz à filha que quando ela era pequena ele a levava para piscina e ficava impressionado como ela era destemida e segura, diferente do irmão mais velho que chorava receoso de pular. O pai, numa convulsão, declara que se sente responsável por não ter sido capaz de protegê-la.

No fundo, incomoda.

A lei não basta. O código de princípios, de valores, de conduta já não dá conta e nem instrui ou governa. Estamos todos a mercê da barbárie. E o que é mais impactante: não há violência. Desde muito cedo os indivíduos são inoculados pela desenfreada necessidade do ter para ser, e vão lentamente se perdendo, como na cena em que Charlie despe Annie de suas mais caras certezas.

No fim, após o filme ter terminado, quando estão sendo informados os créditos da película há ainda uma cena. Charlie é pai de família, brinca em um parque com seu filhinho em companhia de sua esposa e uma criança vem ao seu encontro para apresentar aos seus pais o seu querido professor de Física.

Posso entender porque Pretinha e Claudinho se impressionaram tanto.

O estupro do moderno não se faz sob violência. Nesse filme, e americano, não há herói.


Até breve.

CONFIAR > Filme de drama norte-americano de 2010 dirigido por David Schwimmer e  estrelado por Liana Liberato, que atua ao lado de Clive Owen e Catherine Keener.

Um comentário:

  1. Agulho
    Tambem assistimos este filme , tambem pela informação da Pretinha .
    Parabens pela analise do filme dos fatos da vida real .
    Tambem me senti incomodado com muitas das cenas e o sentimento de culpa apresentado pelo pai , acho que o temor do ato de estrupo abala qualquer pai e a minha incertesa de estar fazendo todo o possivel para proteger nossos flhos e um fato real que muito me incomoda

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