terça-feira, 10 de abril de 2012

OCO




Não há nenhum registro do cotidiano que mereça ser feito. Nenhum novo encontro, nem um filme, um episódio que possa ser interessante relatar. Nem sentimento, palavra ouvida ou lida.

Vazio.

Na verdade ninguém precisa ler para viver. Ler é deleite, recolhimento. Quando pesquisa, esgotada a procura, fecha-se o livro. Milhões passam a vida sem ter experimentado olhar sobre palavras impressas. E não só em livros. E vivem cem anos, algumas até felizes.

Filme é outro expediente desnecessário ao viver. Milhões jamais entraram em um cinema e outros tantos milhões, se viram algo como um filme, foi em TV. E outros milhões de milhões não.

Teatro é de poucos, para poucos e por pouco. Somente aos artistas fica a prerrogativa de afirmar que sem ele não conseguiriam viver. Já relatei aqui que em uma entrevista Fernanda Montenegro comentou que certa vez os atores faziam um movimento e alguém teria sugerido fazer uma greve, não abrir o teatro. Fernando Torres, seu marido: “Pelo amor de Deus não façam isto. Depois eles acostumam e nunca mais voltarão.” Ele se referia ao público.

Galeria de artes. Hã?

Museus. Hã?

Monumentos. Tem um alusivo à escritora mineira, pouco conhecida, que fica na calçada de quarteirão recém-fechado aqui na Savassi. Igrejas, palácios, templos de outros tempos. Milhões de pessoas prescidem absolutamente destes sítios.

Outras manifestações da cultura e das humanidades sobram apenas aos fisgados e que, igualmente, são poucos.

Viver então não carece de saber. E, muitas das vezes, é-se mais feliz ainda, por não saber. Saber se alegra também dói, inquieta, desconcerta, deprime, conforta, amplia, mas não aplaca. Saber impõe feudos, tribos, idiomas, convenções, leis com seus crimes próprios. Saber reúne e exclui, às vezes, com intensa violência. Há milhões de anos civilizações por saberes distintos disputam, até o solo. E bandeiras.

Saber, às vezes, então faz mal e é mau.

Andar ereto, plantar e colher meios da própria terra, algumas ervas para os distúrbios da natureza corporal, procriar. Um dia por algo mais grave, ir. E não fazer nenhum alarde. Sem deixar vestígio e lembrança.

Para que ninguém saiba. E, portanto, também não seja.

Fica aí como sugestão. Pelo menos não haverá vazio.


Até breve.

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