quarta-feira, 28 de setembro de 2011

LAURA

Cometi um equívoco no post de ontem. Os Uros não fugiram dos espanhóis, mas sim dos Incas. Meus ancestrais paternos não podem receber esse ônus. Na verdade foram os Incas que tentaram impor sua cultura aos Uros e escravizá-los. Quando os espanhóis chegaram com seus escudos reluzentes, cavalos alados e enfermidades eles subjugaram os Incas e sequer interessaram-se pelos Uros, pois ninguém sabia onde encontrá-los e também não tinham nenhuma propriedade a ser conquistada. Naquelas alturas estavam construindo as suas ilhas flutuantes de tutora e lançando ao Lago Titikaka.
O Lago Titikaka está a quase 4000 metros de altitude, mede de superfície 8500 km² e tem áreas de até 280 metros de profundidade. Um oceano de água doce azul, verde e griz (cinza). Nos hospedamos no Hotel Titilaka e nossa suíte ficava a beira do lago. À noite, as ondas quebrando na praia fizeram-me duvidar de estarmos mesmo diante de um lago de água doce. Uma maravilha.
Voltando aos Uros, fico com uma preocupação: se eles sobreviverão à globalização, essa mazela que vitima individualidades.
Houve outro equívoco no post de ontem, esse menos grave. A vista do solo não era de cima do avião, era de cima no avião. Eu não estava fora e encima do avião, mas dentro da aeronave. Minha aventura, estando perto dos sessenta anos, é de outro calibre. Busco exercícios que expandam meus músculos cardíacos e cerebrais. Expandir sentimentos e alargar conhecimentos que de fato valham à pena.
Ontem fomos à Taquile. Deste sempre vive nessa ilha um povo. Hoje ele está organizado em seis comunidades e governada, com absoluta independência e desinteresse do governo, por líderes eleitos no mês de novembro por todos os moradores. As 2300 pessoas nativas da ilha vivem da pesca do Lago Titikaka, da agricultura alocada às margens do lago e criações de vacas, ovelhas e porcos. Não há nem cães e nem frangos, ambos não suportam o frio de menos doze graus a zero graus de abril a setembro (pois é, estamos ainda em setembro) e de nove a 22 graus de outubro a março. Ficamos sabendo, no entanto, de que quem manda na ilha de Taquile, de fato, olhem que inusitado, são as mulheres.
Sobre as mulheres da ilha há um outro particular. Os terrenos para construção das moradias são distribuídos pelas famílias no momento que os filhos decidem unirem-se em matrimônio. Quem cerca os lotes são as mulheres. Por favor, é importante acreditarem: a cerca é feita com pedras cuidadosamente alocadas uma sobre a outra até a altura de 1,20 m a 1,50m e alinhadas e aprumadas de uma exatidão de fazer inveja a qualquer oficial pedreiro de colher completa. Detalhe: há pedras que pesam em média trinta quilos (algumas chegando até sessenta quilos) e como não há animais de carga são as mulheres que transportam nas costas. Como conseguem: mastigam coca e algumas tomam álcool puro. Viram o bicho! Santas mulheres.
Fomos recebidos pela família de Alex, um nativo de 23 anos que construiu sua propriedade com Fiorentina, sua esposa. Têm dois filhos: um bebê de um mês e Laura de dois aninhos, uma chiquita bacana. Inesquecível estadia: vimos como vivem, o que fazem para sobreviver e como funcionam as comunidades. Foram expostas várias roupas, gorros, cintas e outros produtos todos feitos pelas mulheres da comunidade utilizando somente insumos extraídos na própria ilha: lã das ovelhas, tintura de folhas cultivadas na propriedade. Fiorentina fez demonstração do preparo de xampu e detergente; Alex, apoiado por Laura, o amassamento do milho para fazer farinha, enquanto isto o fogo ardia pedras sobre as quais cozinhavam batatas.
Fomos convidados para um lanche. Batatas assadas, sopa de quinua com legumes e um queijo de arrepiar de inveja os comerciantes de qualquer banca especializada do mercado municipal. Para arrematar: chá de folhas de coca. Um banquete com furor!
Há ainda algo a registrar: o processo de acasalamento. Para namorar cabe ao homem demonstrar interesse jogando uma pedra (pequena) em direção à mulher pretendida por ele. Se a moça estiver interessada lança de volta uma pedra em direção ao rapaz galanteador. Se não, convém que o homem evada-se e rápido das proximidades, já que há riscos reais dele ganhar um paralelepípedo como resposta.
Despedimos-nos, o que levou mais de meia-hora, e quando saíamos da propriedade vimos Laura, a chiquita bacana, na porta da casa acenar e com um gritinho e um sorriso imenso nos lábios dizer:
- Tchau!

Ate breve.

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