No domingo seguinte à minha demissão levantei cedo e comprei os jornais Estado de Minas e O Estado de São Paulo. Eu já estava com meu currículo pronto e atualizado e enviei alguns respondendo à anúncios de ambos os jornais. Duas semanas depois comecei a receber ligações. Uma multinacional de São Paulo interessou-se muito pela minha experiência em implantação de grandes empresas e gostaria de conhecer-me até o momento que informei que eu não havia concluído o curso superior, que eu estava no quarto período de Psicologia. ‘Que pena, disse a simpática recrutadora, gostei tanto de você... ’ Confesso que bateu um medo, quando a moça desligou o telefone. Eu estava debruçado na janela do meu quarto de nossa maravilhosa casa que eu havia adquirido e reformado poucos meses antes (mudamos para essa casa em 09 de junho de 1985). Com os olhos postos na água cristalina da piscina eu achei que o fato de não ter o curso superior poderia trazer agora sérias dificuldades para eu me recolocar.
O que seria a minha vida se eu tivesse concluído o curso superior em torno dos vinte e quatro ou vinte e cinco anos de idade? Hoje eu estaria naquela multinacional? Vivendo em São Paulo? Estaria escrevendo que estórias aqui neste blog? Aliás, eu teria blog? Viver é muito perigoso, como queria Guimarães Rosa. Ou será navegar é preciso, viver não é preciso, como queria Pessoa?
Dois dias depois recebi outra ligação, também de São Paulo, de um mineiro. Magalhães, que Diretor Executivo de uma empresa de chocolate industrial com fábrica em Vitória, Espírito Santo, fazia uma profunda reestruturação organizacional e demandava a contratação de um Superintendente de Recursos Humanos. Marcamos uma conversa em um hotel em São Paulo. Lembro-me que fui de Cometão curiango da madrugada, desci na rodoviária do Tietê. Fui ao banheiro para tomar banho e colocar o terno. Na época os banheiros eram contíguos e a água dos chuveiros escorria por debaixo de estrados de madeira. Tive que ter um cuidado danado para não deixar minha camisa branquinha e meu terno arrumado não precipitar sobre a aguaceira espumada.
Exato dois meses depois da minha demissão da SMJ, Magalhães apresentou-me ao dono da minha nova empresa, Sr. Cesar, que me recebeu com um forte abraço dizendo que eu enfrentaria um grande desafio: fazer a transição dele para um dos dois filhos ou um dos dois sobrinhos ou nenhum deles. No dia 16 de dezembro de 1985, portanto, eu estava contratado com um salário de Cr$18.392.400, trinta e cinco por cento a mais do que o último na SMJ.
O dono tinha razão. Foi um desafio apaixonante. Nascia ali uma oportunidade de aprendizado importante. A empresa tinha fazendas na Bahia, onde plantava, colhia e amassava o cacau transportando-o para Vitória. Na fábrica de Vitória por um processo industrial de porte introduzia leite em pó importado da Holanda e manufaturava o seu produto principal: licor, semi-acabado para a indústria de chocolates para consumo final. Bacana o processo.
Mais bacanas eram os herdeiros. Um com boas chances de vir a ser um grande executivo, dominava a Bolsa de Commodities, operava internacionalmente a matéria prima, e era extremamente hábil no trato com as pessoas. Seu irmão, não, preferia tênis. Vi-o várias vezes nos corredores da empresa fazendo gestos no vazio como que sacando ou lançando bolinhas em paralelas mortíferas. Um primo cuidava do comercial, até direitinho. Seu irmão, da Industrial, era o professor pardal e parte do problema.
A empresa caminhou bem em sua reestruturação. Magalhães tinha sido executivo do Chase Manhattan Bank e junto comigo contratou um Superintendente Financeiro, Raul e outro Superintendente de Organização, Hugo. Essa era a força tarefa: Hugo nos sistemas e processos, Raul no caixa, Agulhô na família.
Eu ficaria muito tempo em Vitória. Primeiro alugamos um apartamento em um condomínio na Ilha do Boi, depois tomei coragem vendi a casa de Juiz de Fora e comprei outra na mesma Ilha do Boi. Isso tudo em dois meses. Só que em fevereiro de 1986 foi implantado o Plano Cruzado. Foi um fuzuê geral e o proprietário da casa quis roer a corda comigo. Ele me disse isso à frente do Gerente da Caixa Econômica Federal onde estávamos para assinar o Contrato de Transferência de Financiamento. Era no nono andar de uma avenida no centro de Vitória. Quando Rui, esse o nome do proprietário, disse que estava pensando em, face às circunstâncias do momento, desistir do negócio a primeira coisa que me veio à cabeça foi lhe dar um cruzado pelos queixos a fora. Não tive coragem, mas fiz pior. Peguei o cidadão tratante pelas camisas e o arranquei da cadeira arrastando-o até a janela, dizendo-lhe com uma tremenda amabilidade: ‘Se você desistir do negócio, te jogo daqui de cima’. Por sorte minha, o gerente apaziguou os ânimos e não sei por que cargas d’água conseguiu convencer ao Rui que ele deveria assinar o Contrato. Desci no elevador com minha cópia do Contrato assinado e protocolado pela CEF junto com o Rui, pedindo-lhe mil desculpas, que aquilo não era do meu feitio, coisa e tal.
Resolvi fazer uma reforma na casa e fiquei no apartamento até concluir a obra. Em 30 de junho de 1986 nos mudamos do apartamento para a casa. Ficou maravilhosa, lembro-me bem das noites de luar. A claridade da luz da lua refletia no mar e explodia na ampla sala do segundo andar do nosso paraíso. Uma loucura. Meus filhos desapareciam de casa, brincavam o dia inteiro e voltavam com o corpo imundo do pó da Usina de Tubarão, mas com a alma imensa e repleta de alegria.
Durante a semana, ao final da tarde ia com minha esposa e os meninos para a prainha na Ilha. Nos finais de semana, junto com Raul e sua família, fazíamos programas nas redondezas. Foi um tempo de doer de tanta satisfação. Encontramos o Laércio, ele havia sido contratado pela CST e entrou na folia. Fizemos de um tudo enquanto grupo.
Em um dia de agosto do mesmo ano de 1986, eu estava na fábrica, recebi uma ligação. Era de um caçador de cabeças que gostaria de saber se eu interessava-me por uma oportunidade em Belo Horizonte. No final da tarde, em casa, lanchava com a família e eu perguntei para a minha esposa:
- ‘Bem, você quer voltar para BH?’
Os seus olhos encheram-se de lágrimas. Nada pode estar tão bom que não possa melhorar.
Até breve.
Lozinho,
ResponderExcluirque casa espetacular era aquela em Vitória e que entre muitos outros fatos marcaram a minha infância. Lembro-me do dia que ficamos na piscina o dia inteiro: Valesca, Vladimir, Bernardo, o Guto e o filho de um amigo seu. Este seu amigo, se não me engano, era lutador de judô. Saímos todos no final da tarde para um restaurante e quando retornamos a casa havia sido roubada! O grandalhão do seu amigo entrou na frente e eu pensei comigo...agora vai dar merda! Por sorte ou azar, os bandidos não estavam mais lá. Os quartos todos bagunçados, tudo revirado, mas todos nós muito bem. Não me lembro se você teve algum prejuízo maior, mas eu me lembro muito bem que o meu tênis Redley, novinho, que eu tanto amava foi-se embora. Não se preocupe, eu acho que me recuperei deste trauma. hehehe
Cara,
parabéns pelas histórias. Estou realizando um desejo antigo de poder conhecer um pouco mais o meu padrinho que teve grande participação na minha infância mas que nos afastamos em função da construção de nossas vidas em cidades distintas.
O incentivo do Vladimir para você criar seu Blog veio em ótima hora!
Beijos e abraços a todos.
Júlinho