MBR

Foi muito difícil deixar Vitória. Nossa casa, a ilha, a qualidade de vida para os meninos. No entanto, na época, Vitória não oferecia uma faculdade onde pudéssemos concluir tanto eu quanto minha esposa nosso curso de Psicologia. Era, para ela, importante realizar um projeto abandonado na juventude para dedicar-se prioritariamente à família. Daí a razão pela qual, quando levei a notícia da oportunidade em Belo Horizonte, ela emocionou-se.

Desliguei-me da empresa de Vitória em 16 de setembro de 1986 com o projeto de sucessão muito bem encaminhado. A decisão tomada pela família foi pela venda do negócio e cada um dos herdeiros seguiria seu próprio projeto. Às vezes, é sim, a melhor solução. No caso da família de Vitória aconteceu sem traumas e eu soube, um ano e pouco depois que havia deixado a empresa, que ela fora vendida.

Fiquei três meses morando nos dias úteis da semana no apartamento de minha sogra em Belo Horizonte, enquanto minha família permaneceu em Vitória para que os meninos concluíssem o ano letivo. Viajei em todos os finais de semana de outubro a início de janeiro às sextas-feiras e domingos à noite.

Fui contratado pela MBR em 01 de outubro de 1986 no cargo de Assessor da Diretoria de Operações, cujo titular era Antônio Carlos Seara, um pequeno gigante. Meu salário de admissão foi de Cz$36.153,00 (trinta e seis mil, cento e cinqüenta e três cruzados), 37,7% superior ao último na empresa de Vitória.

A MBR era uma das empresas do Grupo Caemi, uma das maiores organizações de capital nacional da época com negócios em diferentes setores da economia: mineração, metalurgia, alimentos entre outros. O grupo tinha sede num edifício da Praia de Botafogo no Rio de Janeiro onde estavam sediadas as áreas da Presidência, Financeira e Comercial da MBR. Todas as demais áreas estavam alocadas em Belo Horizonte sobre a direção de Seara.

A demanda colocada era para mudar, melhor, transformar a companhia, atualizando-a para os novos ventos da gestão contemporânea. Na época a MBR operava três grandes unidades: Águas Claras, Mutuca e Pico (Itabirito). Seara construíra um modelo de gestão baseado na Cibernética. A Cibernética é uma ciência relativamente jovem. Foi criada por Norbert Wiener entre os anos de 1943 e 1947, na época em que surgiu o primeiro computador, bem como a Teoria de sistemas.

Cibernética é a ciência da comunicação e do controle, no animal e na máquina. A comunicação é que torna os sistemas integrados e coerentes e o controle é que regula o seu comportamento. É, portanto, uma teoria dos sistemas de controle baseada na comunicação entre o sistema e o meio e dentro do sistema, e do controle (retroação) da função dos sistemas com respeito ao ambiente, e compreende os processos e sistemas de transformação da informação e sua concretização em processos físicos, fisiológicos, psicológicos etc. de transformação da informação.

A abstração que nos permite distinguir uma empresa como um sistema, também permite que administradores, gestores e colaboradores possam refletir sobre sua organização como um sistema cibernético que se adapta ao meio a partir de um processo de perceber o mesmo e o meio ambiente e retroalimentar seus processos e decisões a partir desta percepção.

Para que um sistema se adapte ao meio, é necessário que o mesmo mude sua estrutura dinamicamente a cada momento. Isto é possível através de um processo recursivo de agir, perceber o meio e o resultado de suas ações (feedback), re-projetar as ações e agir novamente.

Nesse contexto, a cibernética surge como uma ciência que valoriza a percepção de cada ser humano que compõe o sistema e o retroalimenta com o seu ponto de vista e entendimento do que ocorre no meio-nicho onde a organização se acopla.

Uma organização pode ampliar sua percepção do meio em que opera, ampliar-se e validar a comunicação informal que ocorre entre os membros que compõe este sistema, aumentando assim a consensualidade e a coordenação entre os mesmos, fazendo com que a percepção de um ente do sistema possa ser vista e ganhar potência dentro da rede de conversações da organização.

Confuso, num acho. Pedreira para implantar, sem dúvida. Pois foi o que caiu no meu colo no alto dos meus 34 anos. Só mesmo tendo uma paixão intensa pelo inusitado, pelo não sabido, pelo não experienciado. Era mais ou menos um português explicar menu de restaurante tcheco em mandarim. E isso para uma categoria de profissionais profundamente eruditos, cujo operação industrial contemplava a extraordinariamente complexa atividade de tirar o produto da rocha, separá-lo por categorias em pilhas gigantes, transportá-los via esteira para trens de carga e desembarcá-los num porto marítimo em Sepetiba no Rio de Janeiro. Há trocentos anos era essa a operação.  Complexa, paca. Era bonito de se ver quanto eles achavam.

Lembrei-me agora de um trabalho que faço há uns três anos com jovens de 18 a 25 anos do INDT, Instituto Nokia de Desenvolvimento de Tecnologia. Esses meninos gênios desenvolvem conteúdos e num seioquêmais para uma penca de novas aplicações. Sequer ouviram falar em cibernética.

Toda vez que termino um post como agora, fico com a sensação que agradeço pouco a vida. Trabalhar com Seara na MBR durante cinco anos foi um privilégio. Amanhã estarei com ele, que está com oitenta e três anos de idade. Foi o único nessas ruminescências que eu decidi rever.

Aguardem.