A mudança física para Juiz de Fora simbolizou a sinergia organizacional: uma desordem orquestrada pela inadequada administração dos responsáveis à época. Antes fosse evidenciada apenas na questão física das instalações, mas era, sobretudo, no tecido das relações. Alguns superintendentes não visitavam as áreas de outros, sequer se falavam no restaurante, disputavam regalias e jantares dos membros do Olimpo, embora o próprio Olimpo convivesse com mazelas crônicas e traumáticas. Um horror.
Apesar do ônus às pessoas a construção da usina seguia um cronograma relativamente adequado. Gradualmente as instalações foram se ajustando e as condições operacionais de trabalho reduziram um pouco o mal estar. Terminados os ajustes ficamos com um escritório belíssimo e super confortável.
O que não conseguimos equacionar satisfatoriamente foi o clima organizacional sempre agravado pela instabilidade de ZECÊ. Ele até o final do ano de 1983 havia mandado demitir mais de trinta dirigentes entre superintendentes, chefes de departamento e chefes de divisão. Sumariamente pedia ao Diretor a cabeça do profissional. Nessa leva foram o meu superintendente e o chefe de departamento que havia substituído o anterior que ficara em Belo Horizonte. O cara nem chegou a esquentar a cadeira. ZECÊ simplesmente não gostou do jeitão dele.
Nosso líder maior, ZECÊ, que tinha o cargo de vice-presidente, ia às festas de confraternização da empresa, raras e com freqüência compulsória dos empregados, e ficava sozinho acompanhado apenas com poucos membros de sua família. Em torno dele abria-se um vazio. Ninguém se aproximava. Numa dessas festas alguém fez referência a ele como o Capeta. ZECÊ passou a ser referenciado como o Capeta. Por coincidência ele andava em uma Perua Veraneio vermelha que passou a ser reconhecida como Capetamóvel.
Quando eram agendadas reuniões com o Capeta, vários executivos entravam em transe, outros eram acometidos de disenteria, outros de tosse. O cara dava medo mesmo. Ele desqualificava o adversário e tinha um especial prazer em dizer que todo mundo era ‘incompetente e babaca’.
Nossa diretoria (administrativa) era composta por um Diretor, dois superintendentes, quatro chefes de departamento e oito chefes de divisão. Cada Superintendente com dois departamentos, cada departamento com duas divisões. Numa reestruturação a Diretoria ficou apenas com dois departamentos e quatro divisões. A outra superintendência passou a ser vinculada à Diretoria Financeira. Estava criada em setembro de 1983 a Diretoria de Recursos Humanos e eu fui promovido a Chefe de Departamento de Recursos Humanos com um salário de Cr$1.088.774,60. Assim mesmo, entendam como quiserem.
Enquanto Chefe de Departamento eu consegui empreender algumas ações importantes embora muito aquém da minha expectativa e que eram imprescindíveis para a organização. De qualquer forma, mais próximo do processo decisório, trabalhei muito com os diretores no sentido de harmonizar conflitos organizacionais e estimular os executivos a construírem uma única empresa. Devo dizer que fui muito apoiado pela grande maioria de colegas que, também esgotados, dispunham-se a conciliar interesses e buscar sempre melhores caminhos para as suas questões. Fui embaixador de várias visitas com superintendentes de diferentes áreas a outras superintendências e desenvolvi programas estruturados de liderança apoiado por consultoria externa onde pudemos ‘lavar muita roupa suja’. Drenei os espíritos, pacifiquei relações historicamente conturbadas, movimentei pessoas de áreas, segurei diversas demissões precipitadas.
No dia 01 de setembro de 1985 eu estava na sala de meu Diretor e ele me disse que estava fazendo uma promoção para mim de 27,73% por mérito, quando passei a receber o salário de Cr$13.614.096,00. No dia 16 de outubro de 1985, ainda no cargo de Chefe de Departamento, fui chamado à sala de meu diretor. Ele foi direto ao assunto: “Ele pediu para eu demiti-lo...”
Interessante que no post ACOSTAMENTO pedi que ficassem atentos às pessoas que passaram pela construção da minha história. Neste post e no anterior, dedicados a SMJ, haverá lugar para uma única pessoa: ZECÊ. Faço assim um tributo à sua soberania.
Foram inúmeras as pessoas com as quais eu convivi durante estes mais de cinco anos na SMJ. Gozamos eu e minha família de uma cidade que nos acolheu de uma maneira emocionante e fizemos um extraordinário ciclo de convivência e amizade. Essas pessoas ficarão para outros posts. Não quis trazê-las aqui para não colocá-las no mesmo espaço de uma pessoa essencialmente infeliz.
Em 2002, já com a minha empresa de consultoria, eu fui convidado para conduzir um programa de aliança estratégica (vide FRACESSO) e eu estava em Curitiba atuando com um grupo de administradores de hospitais do Paraná. Num intervalo do trabalho eu conversava com alguns participantes do evento, que por sinal elogiavam a minha condução, um sujeito calvo aproximou-se de mim e disse:
- ‘Estou te reconhecendo... Só não sei de onde. ’
- ‘Eu também... ’. Continuei conversando com o grupo e vi o sujeito afastar-se.
Era ele: o Capeta. À época, administrador de um pequeno hospital pertencente a uma fundação filantrópica no interior do Paraná, convivendo com expressivos prejuízos.
Dessa SMJ ficou apenas o prosaico: “corriqueiro, comum, vulgar, chão, material”.
Até breve.
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