Algumas passagens importantes ainda não foram relatadas nos posts anteriores o que se por um lado me entusiasma, por outro me preocupa. Devo seguir me abrindo como a um livro, a quem interessar possa? Ou devo ficar com minhas remunescências (pode sublinhar máquina, essa palavra veio agora) só para mim? Já disse aí para trás que me sinto como estando à janela do meu apartamento aos gritos, pois bem, agora estou na minha casa em Santa Luzia sentado a janela do meu quarto diante da imensa e exuberante mata. Na entrada da casa fixamos uma placa: VEREDA e o condomínio é RECANTO DA MATA. Que me ouçam os micos, portanto.
Cabe do período anterior trazido em CARREIRA alguma coisa de escola. Nunca foi lá que aprendi o que vou usar aos noventa anos. Até porque nunca prestei muita atenção em nenhuma aula, senão em alguns professores. Decorei tudo prá fazer provas, ‘de cor e salteado’. Essa era uma expressão usada por minha mãe que tomava os ‘pontos’ às vésperas das provas. Tinha que saber o que poderia cair na prova, e como eu decorava (nessa época eu tinha memória) ela cobrava os pontos intercalados, era o cão. Na minha engenharia decoratória (sublinha) eu sabia até o lápis que usei para escrever ou onde estava a vírgula, mas num intercala não que rompia os cabeçotes. Conclusão: horas a mais de decoreba (olhe, esta palavra existe!) até que minha mãe fazia a última sabatina e julgava, a critério dela, que o meu saber era suficiente para a prova.
Sempre achei que cadeira, disciplina, matéria dentro de uma grade de conteúdos segundo um currículo programático determinado pelas melhores normas da educação vigente e culta, fosse e ainda é, um porre. Já criança eu achava o mundo grande demais para caber num mundo, quanto mais numa grade de conteúdos normatizados. Sempre que eu ia prá prova eu dizia a mim mesmo: ‘FODA-SE!’ Vinha o boletim mensal e eu recebia da minha mãe parabéns e surras dentro de uma absoluta imprevisibilidade, ou seja, eu nunca sabia se tinha ido bem ou mal nas provas.
Dona Antônia, não, essa não tinha padrão. Ela era minha professora particular. Como invariavelmente eu me saía mal na escola formal minha mãe me colocou em aula particular com Dona Antônia. Ocorre-me agora que é de todo provável que parte das razões pelas quais eu era freqüentador assíduo da posição de desempenho abaixo da régua escolar era para poder ter aulas com aquela senhora que morava numa casa que era um lugar adorável de estar (passei por lá outro dia e, para minha alegria, a casa dela está com a mesma configuração da minha infância e muito bem mantida). Dona Antônia servia uns bolinhos de num seio o quê, tinha galinheiro, pato, porquinho da índia, cachorros, gatos e as aulas eram passeando por estas equações, sintaxes, histórias, capitais dos Estados, presidentes da República, frações e línguas pátrias. Seguramente quando vinha o boletim e eu ganhava parabéns da minha mãe é porque na hora da prova eu fazia minhas associações livres e juntava pato com capital da Alemanha, galinha com sujeito e objeto, Bolinho de num sei o quê com algo que eu tinha registrado nos cadernos que eu trazia da escola e logo que chegava em casa jogava em qualquer lugar que ficasse e caía no mundo para vender meus bolinhos e jogar minhas peladas.
Havia outras razões para eu não gostar da escola: o uniforme. Camisa branca, sempre limpa, sapatos, putz um horror! Eu com a vida purulando (sublinha) lá fora e todo comportado aqui dentro ouvindo uma lógica imensamente distante daquilo que a vida já me cobrava. Foi barra essa parte do filme. Se perguntarem às minhas irmãs que me levavam e buscavam à escola, elas poderão confirmar o que digo agora. No retorno para casa, logo que deixava a escola, me dava uma tremenda e incontrolável vontade de evacuar. A sorte das minhas irmãs é que bem próximo da escola morava uma prima e, inúmeras vezes, elas me levaram lá para eu me lavar. É antológica, entre eu e uma das minhas irmãs, a história de quando ela me apanhava no portão de saída da escola: Jeanine, caguei! Eu me borrava todo, da camisinha branquinha, passando pela calça curta até o sapatinho, tudo. O que eu recebia na escola escorria pelas minhas pernas antes mesmo de nós chegarmos à casa de nossa prima. Não queria mesmo ficar com nada disso dentro de mim, nenhum desses “conteúdos”.
Tudo bem, fui pagar por isso mais adiante na hora que tive que passar pelo filtro do vestibular para o ensino superior. A lembrança me dá náuseas. Isso fica prá outro post, mais lá na frente.
No entanto, como o método da Dona Antônia foi importante ao longo da minha vida. Sem ter passado por ela provavelmente eu não teria diamantado as lentes das minhas retinas, aguçado os meus ouvidos e nem aberto o meu coração e o meu cérebro para o que, em minha opinião, verdadeiramente interessa e é indispensável sentir e saber.
Nas últimas semanas mesmo, quando venho negociando uma aliança estratégica entre empresas brasileiras e africanas. Tem sido imensamente gratificante trocar experiências com o representante de um dos países integrantes da aliança. Em um dos intervalos de reuniões nós conversávamos sobre assuntos outros e ele me disse, assim, do nada, que na cultura africana a verdade está com a mãe. Lá, os filhos devem dar tudo primeiro duas vezes para a mãe e somente na terceira dividir com o pai. E disse mais: a mãe sempre adorará seus filhos, exceto se estiver completamente enlouquecida.
Minha mãe sempre foi extremamente lúcida. Foi ela quem me entregou à Dona Antônia.
Santa mãe! Santa Dona Antônia!
Até breve.
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