terça-feira, 21 de junho de 2011

FIAT

Eu havia ficado noivo em 07 de novembro de 1974. Minha sogra, amável como sempre, determinou que ‘noivado na minha casa no máximo um ano’. Nessa época eu estava ainda na construtora do alojamento a beira da estrada de ferro. Não cheguei a colar a minha foto e nem preencher os dados da minha Ficha de Registro. Não completei sequer um mês em Lafaiete.
Fui admitido na Fiat Automóveis no dia 16 de janeiro de 1975 no cargo de Auxiliar de Pessoal com o salário de Cr$1.150,00 (hum mil, cento e cinqüenta cruzeiros) com o número de registro 00360. Quando saí da empresa do Éder em março de 1974, meu salário era de Cr$630,00 (seiscentos e trinta cruzeiros), portanto uma diferença considerável de 82,54%.
Quando fui admitido a Fiat já havia se instalado ocupando todo um prédio na Rua da Bahia, centro da cidade. Eu tinha 22 anos de idade, duas camisas ‘volta ao mundo’ (must da época), duas gravatas, duas calças de tergal e um par de sapatos pretos. Ninguém podia estar mais feliz. Duraram quinze dias.
Numa segunda-feira cedo fui ao meu Gerente, Eliseu, dizendo que eu queria minha demissão. Disse-lhe que eu havia apostado todas as minhas fichas naquela oportunidade e que eu não estava ali para colar fotos e preencher os dados de empregados na Ficha de Registro, que eu podia e queria mais responsabilidade e complexidade de tarefas. Eliseu, na época, era um cara bem forte e usava um penteado com parte da franja jogada na testa. Ele estava sentado na poltrona atrás de sua mesa e eu de pé à sua frente. Depois que eu coloquei prá ele minha intenção de sair, ele passou as duas mãos na sua franja jogando-a para trás. Ao longo de nossa convivência adiante ele fez isso poucas vezes, sempre quando estava muito puto.
-‘Que asneira é essa, Agulhô? Onde você está com a cabeça? Você está me dizendo que quer sair depois de duas semanas da maior oportunidade da sua vida? Você é louco?’ (Não era a primeira vez e nem a última que eu ouviria essa pergunta).
-‘Eu sei da minha capacidade e não estou disposto a ficar marcando passo... ’
-‘Mas você acabou de entrar, nem esquentou sua cadeira, já quer mais?’
- ‘Sim, eu quero mais porque posso mais’...
- ‘Você têm idéia do que pode estar perdendo? Da carreira promissora que pode vir a ter na FIAT? Você viu os filmes do treinamento introdutório, você viu a empresa na qual está trabalhando, seu imbecil? Eliseu passou pela segunda vez as mãos na franja, levantou-se da poltrona e veio prá cima de mim.
- ‘Vi e sei que podem ocorrer perdas de ambas as partes... ’ Eu não podia ser mais arrogante.
- ‘Heim??? Essa hora achei que ele ia me dar uma pancada (para não usar outra palavra). Fosse eu o gerente, dava.
Eliseu fechou a porta, voltou a sentar-se na poltrona e me contou o processo que conduziu para viabilizar a minha contratação. Disse que eu fui considerado inapto nos testes psicotécnicos e que a avaliação psicológica apontou que eu não iria adiante com o meu trabalho. Disse-me que ele havia ‘bancado’ a contratação junto com o Aloizio na medida em que eles queriam jovens com potencial, inteligência e determinação. Que ele correria o risco e assumiria as conseqüências pela contratação. Ele era Gerente de Pessoal e Salários e teve que ‘peitar’ seus pares na estrutura e também nosso Diretor de Relações Industriais que ponderou com ele que ‘nós que construímos as normas de RH e não podemos dar mau exemplo para as demais áreas.  Que ele ainda assim enfrentaria o risco na medida em que via em mim um grande talento. Disse por fim que se eu fosse em frente com a minha decisão ele provavelmente seria colocado em questão podendo até ser demitido (aqui eu achei que ele exagerou).
- ‘Volto às minhas Fichas de Registro e faço em benefício de sua permanência nessa grande empresa, mas logo logo você me dará novas oportunidades... Eu disse, tirando do bolso da calça minha aliança de noivado e colocando-a no dedo da mão direita. Depois que fiquei noivo quando fui à Fiat para as entrevistas finais e até aquele dia eu tirava a minha aliança e a colocava no bolso. Temia que o fato de estar noivo prejudicasse a minha contratação.
- Aproveito para lhe comunicar que eu estou noivo desde novembro do ano passado e pretendo casar no final deste ano.
Eliseu levantou-se novamente da poltrona, veio ao meu encontro e disse-me:
- ‘ Parabéns, Agulhô... Mas tenha paciência aqui que você terá um belo futuro... ’
Entrava ali para a galeria de pessoas cruciais da minha vida um grande sujeito, profissional, líder e mais um padrinho de casamento.

Até breve.

Um comentário:

  1. Ei Agulhô,

    Essa regra ‘noivado na minha casa no máximo um ano’ foi passada pra frente. É uma pressão das boas.

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