terça-feira, 14 de junho de 2011

CARREIRA III

Três fatos ocorreram praticamente simultâneos: a mudança de minha irmã para um apartamento (sem quartinho de despejo), o fechamento do escritório regional da empresa na qual eu trabalhava (o que implicou na minha segunda demissão) e o retorno para a casa de meus pais (por determinação do velho, que com boas perspectivas na indústria se dispôs a me ajudar bancar os estudos até quando eu não conseguisse “outra colocação”).
Foi um tio meu que me pôs numa fria, pouco tempo depois que eu havia voltado para a casa de meus pais. Ele tinha um escritório de contabilidade e um de seus clientes era representante comercial de jóias e relógios e precisava de um ‘secretário’. “Num tem carreira, mas vai dar para você custear seus estudos e pagar um ou outro distraimento”, foi o que meu tio me disse no dia em que esteve lá em casa para me fazer o ‘convite’.
O escritório ficava em uma única sala de um edifício na Rua Rio de Janeiro, centro da cidade. Nos fundos da sala uma grande mesa em que se colocava o patrão e, adiante dele numa mesinha, o secretário. Entre a minha mesinha e a porta de saída um sofá e ao lado dele uma mesinha de canto com adornos. Mais ao lado, um pequeno toalete.
O bom dessa época é que, como o trabalho era pouco, sobrava muito tempo para eu me dedicar aos estudos e aos meus escritos, além de me especializar em máquina de escrever elétrica. O mau era que o escritório era de fachada, pois o que rolava mesmo era contrabando bravo de jóias e relógios. Fazia parte das atribuições do secretário o serviço de ‘mula’. Eu carregava uma mala com duas toneladas (era essa a minha sensação à noite na escola) de muamba e ia atrás do chefe. Ele invariavelmente andava muito à minha frente, nunca falava comigo na rua. Por razões óbvias, se me pegassem ele diria que nunca havia me visto na vida. Em uma única vez tive o ímpeto de mudar meu trajeto e desaparecer no mundo, mas por força do caráter ou do medo do patrão, não necessariamente nessa ordem, desisti.
No fundo ele era um bom sujeito, pagava religiosamente em dia e sempre me perguntava como iam os estudos. Durante o período em que trabalhei com ele, melhor, para ele, só me incomodava as terças e quintas no horário de almoço. Explico: eu não ia almoçar em casa, preferia ficar no centro da cidade e fazer um lanche rápido para ter mais tempo para ler, escrever, estudar. As terças e quinta-feiras ele determinava que as 12:00 horas eu saísse do escritório e só voltasse as 14:00 horas. Nesses dias e horário ele levava mulheres para “realizá-las” no sofá.
Um belo dia estávamos, eu e o patrão, no escritório. Entrou um rapaz, me cumprimentou e perguntou se podia me oferecer uma oportunidade. Eu respondi que sim. O patrão, que lia um jornal, levantou a cabeça por segundos e voltou à leitura. O rapaz abriu uma pasta e me mostrou um cartaz grande, com uma paisagem muito expressiva. No alto do cartaz, em letras garrafais: É AQUI QUE VOCÊ VAI PASSAR O SEU FUTURO. Abriu outra pasta e tirou uma série de tabelas com valores diversos e apresentou-me as condições para eu adquirir o lugar onde eu iria passar o meu futuro. Agradeci. Então o rapaz perguntou se ele podia falar com o patrão. “Este senhor quer lhe oferecer uma oportunidade?”, eu disse. ‘Quiéisto?’, ele me perguntou fechando o jornal e o colocando sobre a mesa. Eu levantei-me e disse: ‘o rapaz vai explicar, para o senhor’, fazendo sinal para que o rapaz fosse para mais próximo da mesa do patrão. Entrei no toalete para urinar. O patrão era polonês e, embora tivesse já algum tempo no Brasil, entendia muito pouco o português. Quando saí do toalete encontrei o rapaz já arrumando o material promocional dentro das pastas. Meu patrão com uma voz grossa e alta: ‘num intendê nada do que esto cara fala, quê quê ele querê?’ O rapaz olhava atônito para mim e para o meu patrão. ‘Sepultura. Ele está oferecendo jazigos... ’ Disse. Meu patrão com a voz mais alta e rouca: ‘que merda é sepurtura?’ Quando eu consegui me fazer entender do que se tratava a oportunidade para o patrão ele bradou, voltando ao jornal: ‘Põe cara prá fora! Já falei com família, quando morrê me jogá no lixo!
Suportei um ano e pouco, quando achei que já era por demais e fui ao encontro de outro lugar onde eu pudesse passar melhor o meu futuro.
Até breve.

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