sábado, 28 de maio de 2011

PERSONA II

Penso que Trabalho na equação seja a determinante e Emprego e Empresa variáveis secundárias. É verdade, como querem alguns, que é melhor chorar dentro de uma BMW série 7000 do que dentro de um UNO Mille. No entanto, o choro deriva da mesma origem. Independente da posição na hierarquia e do pacote de benefícios (houve uma época que senzala fazia parte do rol) o drama se estabelece. Eu não estou bem com o que venho fazendo.
Tive um colega na Fiat (glamour empresarial da época, todo mundo em MG queria trabalhar na Fiat que se implantava em Betim), profissional de destaque na hierarquia, bom pacote remuneratório, tudo de bom diriam hoje, mas que por alguma razão não estava bem. Na segunda-feira quando chegávamos para trabalhar encontrava o colega e ele, invariavelmente, dizia: ainda bem que é amanhã é sábado. Embora ele ficasse uma arara eu sempre retrucava: que isso, cara, amanhã é terça. E ele, puto: não me fale, prá eu agüentar o dia de hoje eu tenho que achar que amanhã é sábado. Nos dias seguintes a historia se repetia. O pior que não é uma brincadeira nem um caso isolado, mas quase um padrão.
No seminário da Eletropaulo, em dado momento, eu perguntava aos participantes: quanto tempo de trabalho vocês têm? Recebi todo tipo de resposta, mas uma ocorreu mais de uma vez: faltam dois anos... E eu, embora soubesse, perguntava: faltam dois anos, como assim? Para a aposentadoria, ora! Para alguns o trabalho é como uma cela e o tempo é contado de maneira regressiva. Refletia então com eles a palavra aposentadoria. 
Um cunhado meu, aposentou-se na Petrobras. Aposentadoria na Petrobras, não tem nada de melhor, talvez BB ou CEF. Uma mãe, com todo o respeito, claro. Vinte e cinco anos de serviços prestados sem uma falta e férias de trinta dias religiosamente gozadas a cada ano. Um CDF o cara. Belo dia aposenta-se. Poucas semanas depois ele aparece na minha casa, transtornado: ‘Agulhô, que mulher é aquela?’, referindo-se à esposa, minha irmã. E eu, mordaz: minha irmã... E ele: mas que diabo de mulher é aquela, Agulhô? Minha irmã, já te disse, porque você acha que a gente passou aquilo prá você? Que casa é aquela? Que meninos são aqueles, Agulhô? Infelizmente também parece comum: a pessoa vincula-se umbilicalmente e de tal maneira que passa uma vida inteira e quando deságua no vazio da aposentadoria pergunta: que vida é essa? Se bem que agora aposentar-se depois de 25 ou 35 anos de serviços prestados à mesma empresa é démodé. A meninada dita da geração Y (tinha jurado nunca usar essa bobagem) não fica na mesma empresa mais do que cinco anos, até porque o mundo corporativo hoje é como máquina de moer carne.
No Aurélio está posto que APOSENTO radical da palavra APOSENTADORIA, quer dizer: cômodos que estão alocados atrás das moradias. Você sai da sala de estar. Belo dia estou numa fila de banco e começo a conversar com um senhor que estava imediatamente atrás de mim. Conversa vai conversa vem ele comenta que um amigo aposentou-se e que vivia amando a esposa, foi o que eu ouvira. ‘Bacana, um sujeito aposentado que ainda ama a esposa?’, brinquei. ‘Não, ele disse, você não entendeu; ele vive a mando da esposa.’
Levei um copo de água para o executivo da Eletropaulo que se estirara no sofá. Não é possível ao profissional da escuta ficar imune. Ao longo da vida fui privilegiado por momentos ímpares que exigiram e exigem de mim especial cuidado. Ali estava um ser humano arrasado depois de uma penca de anos dedicados a sabe-se lá o quê. Faria, no ano seguinte ao seminário, trinta e seis anos de empresa e trinta e três anos de casado com a esposa, também empregada da empresa. Três filhos, dois empregados da empresa, um genro também empregado da empresa. ‘Dedicamos toda a nossa vida a isso aqui... ’ Disse, apontando para o vazio. ‘Confesso que estou morrendo de medo de ser demitido com a privatização. Se isto acontecer, juro que me mato. ’ ‘ Mas o que te leva a pensar que será demitido?’, ponderei. ‘Tem muita sacanagem no mundo, professor. ’
“Eu estava preso numa masmorra no Recife, vítima da ditadura militar, num espaço de um metro e quarenta de altura, setenta centímetros de largura, setenta centímetros de profundidade e recebia o alimento por uma fresta por onde também entrava a luz. Apesar desta circunstância, eu me descobri Paulo Freire.” Esse é um pequeno trecho de uma das últimas entrevistas do extraordinário educador dada ao canal de TV Globo News.
Pois é.

Até breve.

Um comentário:

  1. Engraçada esta busca das pessoas pela aposentadoria, como uma fuga de um mundo que a "aprisiona". Mundo este que não passa de uma escolha da própria pessoa, uma vez que as decisões sobre a sua vida são "pessoais e intransferíveis", como sempre me disse meu pai. Mas para as escolhas estamos sempre presos em conceitos pré-estabelecidos da sociedade, em busca de cargos e status e não do que realmente queremos fazer ou ser ... Aí começa a escolha da "prisão".
    Em relação a aposentadoria, tenho na realidade é uma preocupação oposta: como acabar com este conceito da nossa sociedade do aposentado, daquele "velho inútil", que deve ficar em casa de pijama, que não deve mais trabalhar pois já trabalhou demais, como se o trabalho fosse uma punição ... O trabalho é uma punição para os aprisionados, não para os apaixonados pelo que fazem. Mas a sociedade e as corporações os consideram velhos demais para o mundo atual ... Que bobagem e que tristeza. O que o mundo atual mais precisa é da experiência dos nossos "aposentados". Temos cada vez mais acesso a um número maior de informações e que tomar decisões mais rapidamente. Mas não temos a experiência que os nossos "aposentados" tem ... Cada dia que passa só vemos mais e mais problemas nas tomadas de decisão das corporações e os "aposentados" colocados a escanteio pela sociedade ... Muito triste.

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