sábado, 21 de maio de 2011

FRACASSO


Sou o oitavo de uma família de dez filhos. Forjei-me pela necessidade de harmonia. Acho que devo a esse fato a prática do meu ofício que não é outro senão a busca de ações que enderecem à harmonização de interesses.

Tratarei aqui hoje, amanhã e domingo da busca por resultados pelas organizações empresariais. Os atores do processo empresarial têm interesses naturalmente antitéticos (embora, muitas vezes, até antagônicos): de cada um uma tese que do outro implica uma antítese. Entendo que a consultoria deve contribuir por uma síntese.

As FACES são complexas. F de fornecedores, A de acionistas, C de clientes e de concorrentes, E de empregados e S de sociedade. Aos acionistas VALOR enquanto aos fornecedores PREÇO; aos clientes VALOR, enquanto aos acionistas PREÇO; aos acionistas LUCROS, enquanto aos empregados SALÁRIOS; aos acionistas ESTABILIDADE, enquanto aos concorrentes ESPAÇO; aos acionistas PROGRESSO, enquanto à sociedade NATUREZA; aos acionistas INVESTIMENTOS, RETIRADAS, DIVIDENDOS, enquanto à sociedade TRIBUTOS. E tome antíteses ou antagonismos de toda sorte abarrotando as câmaras de arbitragens, juntas de conciliação e julgamento, tribunais de diferentes instâncias.

Sempre achei que tinha lugar para todos lá em casa. Nunca optei por apoiar esse ou aquele irmão. Acho que, por isso, a vida me impôs a escuta. Santo aprendizado.

Trago aqui, colhidos dos últimos anos, três processos que conduzi em formulação estratégica com vistas a resultados. Em todos os três fui contratado diretamente pelos acionistas. Difícil concluir por uma avaliação. Nesse assunto quase sempre o juízo de valor varia: depende de que lado aquele que avalia está: se do cabo ou do chicote. De qualquer forma, saí de todos os três projetos, após cerca de dois anos de desenvolvimento de cada um deles, encorajado pelos acionistas a seguir na minha busca de harmonia.
Optei por nomear os três processos como: FRACASSO, FRACESSO E SUCESSO. Hoje conto o fracasso, amanhã o fracesso (misto de fracasso e sucesso) e no domingo conto o sucesso.

FRACASSO
SETOR: Varejo. PONTOS DE VENDAS: 65. FATURAMENTO ANUAL: R$450 milhões. PROPRIEDADE: Complexa.  Familiar. Nos registros oficiais: 51% do patriarca fundador, 49% distribuídos entre sete irmãos. De fato: doação não registrada pelo fundador de 33% do total de ações para uma das filhas, acordos verbais entre alguns dos irmãos e contratos de gaveta entre outros. Empréstimos contraídos entre eles não pagos, alguns sequer registrados, além de demandas judiciais entre um e outro. GESTÃO DO NEGÓCIO: Caótica. Indefinição de responsabilidades e autoridade difusa, com presença do fundador pairando as decisões. Todos os membros da família com sérias questões de saúde física, psicologia e até moral. Executivos fracos, declínio de marca, perda de credibilidade comercial, sonegação em todos os níveis (até o previdenciário), crise de crédito e financeira, roubo de produtos e acordos fraudulentos envolvendo executivos, fornecedores e um dos acionistas. Estrutura organizacional, instalações, sistemas, processos totalmente obsoletos, empregados não preparados, desaparelhados e seriamente comprometidos na auto-estima, motivação e sentimento de pertença. Um caos.

Impossível relatar aqui todo o processo da intervenção consultora. Foram inúmeras horas de extraordinários embates, debates, sessões de trabalho. O patriarca foi afastado da gestão, cuidadosa e lentamente. Convidei um colega com quem havia trabalhado anos antes, especialista em controladoria, para dirigir o negócio. Todos os filhos foram retirados dos papeis executivos, dois deles mandados para casa onde recebiam um valor mensal independente dos resultados da empresa. Em sessões intermináveis com os acionistas, uma vez por semana,  drenavamos os espíritos, o executivo contratado para dirigir a empresa trazia informações e decisões eram encaminhadas. Meu foco principal era sanear primeiro a empresa, depois e se fosse possível “salvar” o que sobrasse da família. Limpamos a casa: descobrimos e intervimos sobre de gargalos logísticos a esquemas pesados de desvios de produtos, caixa, todo tipo de assédios, relações espúrias, conchavos com membros da família. Um horror. 

Fizemos acordos com fornecedores com alto nível de qualidade em todos os sentidos, banimos outros, forjadores de esquemas. Refinanciamos junto à cidade, ao estado e à união a imensa dívida fiscal, parcelando os tributos. Conseguimos pactuar com bancos de primeira linha e abrimos crédito especial junto a um banco de fomento. 

Recuperamos o moral da equipe, estruturando papéis e implantando sistema de remuneração por produtividade. Voltamos à mídia e, de certa forma, recuperamos a credibilidade junto a clientes. Os resultados começaram a sinalizar num primeiro momento estabilização e em seguida tendência de expressiva melhoria. A crise estava controlada. A família blindada e as ações necessárias ao processo de restauração sendo empreendidas, nas circunstâncias, a contento.

De zero a dez, estávamos em cinco. Achei que era hora de me dedicar à questão societária e de empreender um acordo limpo, sadio e transparente entre os acionistas. Saneada a gestão do negócio, me sentiria gratificado se pacificasse a propriedade e partisse para uma terceira etapa: a sucessão para a terceira geração. Concentrei-me nessa tarefa e descuidei-me do controle da gestão e confiei na competência e, sobretudo, integridade do colega executivo e toda a equipe contratada por ele para implementar e consolidar o projeto.

Decisões tomadas pelo executivo equivocadas e/ou a revelia do grupo das reuniões semanais, negligência com assuntos de relevância extrema, relacionamento amoroso tempestuoso com funcionária da equipe com sérios impactos, foram engenhosamente tecidos e levados ao conhecimento de parte do grupo de acionistas.  Recaída letal. Trouxeram o patriarca de volta, pediram a cabeça do executivo e passaram a disputar novamente o comando. Eu capitulei.

Lembrei-me hoje de uma das reuniões semanais quando discutimos a retirada do imenso painel publicitário que tomava conta de toda a fachada de um dos principais pontos de venda da rede. A assembléia municipal havia promulgado a lei de adequação de placas, letreiros, etc. Por força de determinação legal estávamos obrigados a retirar o painel e seguir as especificações estabelecidas pela nova norma jurídica. Meus argumentos foram vãos, os acionistas insistiram em resistir e decidiram manter o painel.

Ainda me entristeço quando às vezes passo em frente à loja. As placas rigorosamente dentro das especificações da lei anunciam que aquele ponto de venda faz parte da rede do principal concorrente  à época da minha intervenção consultora.

Recentemente fui convidado para a missa de sétimo dia do patriarca. Fui, muito respeitosamente, levar meus pêsames à família.


Até breve.

Um comentário:

  1. Tenho a convicção que não há fracasso em sua trajetória e sim muita VITÓRIA, porem ter as FACES sempre envolvidas em seu trabalho dificulta a perfeição do resultado claramente identificado por você.

    Parabéns pelos "diagnosticos" certeiros.

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