Sou o
oitavo de uma família de dez filhos. Forjei-me pela necessidade de harmonia.
Acho que devo a esse fato a prática do meu ofício que não é outro senão a busca
de ações que enderecem à harmonização de interesses.
Tratarei
aqui hoje, amanhã e domingo da busca por resultados pelas organizações
empresariais. Os atores do processo empresarial têm interesses naturalmente
antitéticos (embora, muitas vezes, até antagônicos): de cada um uma tese que do
outro implica uma antítese. Entendo que a consultoria deve contribuir por uma
síntese.
As FACES
são complexas. F de fornecedores, A de acionistas, C de clientes e de concorrentes, E de empregados e S de
sociedade. Aos acionistas VALOR enquanto aos fornecedores PREÇO; aos clientes
VALOR, enquanto aos acionistas PREÇO; aos acionistas LUCROS, enquanto aos
empregados SALÁRIOS; aos acionistas ESTABILIDADE, enquanto aos concorrentes
ESPAÇO; aos acionistas PROGRESSO, enquanto à sociedade NATUREZA; aos acionistas
INVESTIMENTOS, RETIRADAS, DIVIDENDOS, enquanto à sociedade TRIBUTOS. E tome
antíteses ou antagonismos de toda sorte abarrotando as câmaras de arbitragens,
juntas de conciliação e julgamento, tribunais de diferentes instâncias.
Sempre
achei que tinha lugar para todos lá em casa. Nunca optei por apoiar esse ou
aquele irmão. Acho que, por isso, a vida me impôs a escuta. Santo aprendizado.
Trago
aqui, colhidos dos últimos anos, três processos que conduzi em formulação
estratégica com vistas a resultados. Em todos os três fui contratado
diretamente pelos acionistas. Difícil concluir por uma avaliação. Nesse assunto
quase sempre o juízo de valor varia: depende de que lado aquele que avalia
está: se do cabo ou do chicote. De qualquer forma, saí de todos os três
projetos, após cerca de dois anos de desenvolvimento de cada um deles,
encorajado pelos acionistas a seguir na minha busca de harmonia.
Optei por
nomear os três processos como: FRACASSO, FRACESSO E SUCESSO. Hoje conto o
fracasso, amanhã o fracesso (misto de fracasso e sucesso) e no domingo conto o
sucesso.
FRACASSO
SETOR:
Varejo. PONTOS DE VENDAS: 65. FATURAMENTO ANUAL: R$450 milhões. PROPRIEDADE:
Complexa. Familiar. Nos registros
oficiais: 51% do patriarca fundador, 49% distribuídos entre sete irmãos. De
fato: doação não registrada pelo fundador de 33% do total de ações para uma das
filhas, acordos verbais entre alguns dos irmãos e contratos de gaveta entre
outros. Empréstimos contraídos entre eles não pagos, alguns sequer registrados,
além de demandas judiciais entre um e outro. GESTÃO DO NEGÓCIO: Caótica. Indefinição
de responsabilidades e autoridade difusa, com presença do fundador pairando as
decisões. Todos os membros da família com sérias questões de saúde física,
psicologia e até moral. Executivos fracos, declínio de marca, perda de
credibilidade comercial, sonegação em todos os níveis (até o previdenciário),
crise de crédito e financeira, roubo de produtos e acordos fraudulentos
envolvendo executivos, fornecedores e um dos acionistas. Estrutura
organizacional, instalações, sistemas, processos totalmente obsoletos,
empregados não preparados, desaparelhados e seriamente comprometidos na
auto-estima, motivação e sentimento de pertença. Um caos.
Impossível
relatar aqui todo o processo da intervenção consultora. Foram inúmeras horas de
extraordinários embates, debates, sessões de trabalho. O patriarca foi afastado
da gestão, cuidadosa e lentamente. Convidei um colega com quem havia trabalhado
anos antes, especialista em controladoria, para dirigir o negócio. Todos os
filhos foram retirados dos papeis executivos, dois deles mandados para casa
onde recebiam um valor mensal independente dos resultados da empresa. Em
sessões intermináveis com os acionistas, uma vez por semana, drenavamos
os espíritos, o executivo contratado para dirigir a empresa trazia informações
e decisões eram encaminhadas. Meu foco principal era sanear primeiro a empresa,
depois e se fosse possível “salvar” o que sobrasse da família. Limpamos a casa:
descobrimos e intervimos sobre de gargalos logísticos a esquemas pesados de
desvios de produtos, caixa, todo tipo de assédios, relações espúrias, conchavos
com membros da família. Um horror.
Fizemos acordos com fornecedores com alto nível de qualidade em todos os
sentidos, banimos outros, forjadores de esquemas. Refinanciamos junto à cidade,
ao estado e à união a imensa dívida fiscal, parcelando os tributos. Conseguimos
pactuar com bancos de primeira linha e abrimos crédito especial junto a um
banco de fomento.
Recuperamos o moral da equipe, estruturando papéis e
implantando sistema de remuneração por produtividade. Voltamos à mídia e, de
certa forma, recuperamos a credibilidade junto a clientes. Os resultados
começaram a sinalizar num primeiro momento estabilização e em seguida tendência
de expressiva melhoria. A crise estava controlada. A família blindada e as
ações necessárias ao processo de restauração sendo empreendidas, nas
circunstâncias, a contento.
De zero a
dez, estávamos em cinco. Achei que era hora de me dedicar à questão societária
e de empreender um acordo limpo, sadio e transparente entre os acionistas.
Saneada a gestão do negócio, me sentiria gratificado se pacificasse a
propriedade e partisse para uma terceira etapa: a sucessão para a terceira
geração. Concentrei-me nessa tarefa e descuidei-me do controle da gestão e
confiei na competência e, sobretudo, integridade do colega executivo e toda a
equipe contratada por ele para implementar e consolidar o projeto.
Decisões
tomadas pelo executivo equivocadas e/ou a revelia do grupo das reuniões
semanais, negligência com assuntos de relevância extrema, relacionamento
amoroso tempestuoso com funcionária da equipe com sérios impactos, foram
engenhosamente tecidos e levados ao conhecimento de parte do grupo de
acionistas. Recaída letal. Trouxeram o
patriarca de volta, pediram a cabeça do executivo e passaram a disputar
novamente o comando. Eu capitulei.
Lembrei-me
hoje de uma das reuniões semanais quando discutimos a retirada do imenso painel
publicitário que tomava conta de toda a fachada de um dos principais pontos de
venda da rede. A assembléia municipal havia promulgado a lei de adequação de
placas, letreiros, etc. Por força de determinação legal estávamos obrigados a
retirar o painel e seguir as especificações estabelecidas pela nova norma
jurídica. Meus argumentos foram vãos, os acionistas insistiram em resistir e
decidiram manter o painel.
Ainda me
entristeço quando às vezes passo em frente à loja. As placas rigorosamente
dentro das especificações da lei anunciam que aquele ponto de venda faz parte
da rede do principal concorrente à época da minha intervenção consultora.
Recentemente
fui convidado para a missa de sétimo dia do patriarca. Fui, muito
respeitosamente, levar meus pêsames à família.
Até breve.
Tenho a convicção que não há fracasso em sua trajetória e sim muita VITÓRIA, porem ter as FACES sempre envolvidas em seu trabalho dificulta a perfeição do resultado claramente identificado por você.
ResponderExcluirParabéns pelos "diagnosticos" certeiros.