Foram no total 236 disparos, embora esse número configure a média entre
o número menor e o maior divulgado pela mídia tanta escrita quanto eletrônica.
Contadas nos corpos as perfurações à bala apontadas no laudo inicial elaborado
pelo IML foram num total de 55, assim distribuídas:
1. Fernando
Paulo de Souza, conhecido como TRÊ, dezenove anos, cor parda, amasiado, filho
de Ana de Souza, pai desconhecido, sem endereço fixo, morte instantânea com
ferimentos à bala de revolver calibre 38 (duas na parte frontal do crânio, uma
na nuca, dois no tórax); ferimentos à bala de Pistola 9mm (uma no braço
esquerdo, duas no abdômen) e ferimentos à bala de Pistola 380 (duas na coxa
esquerda e uma na perna direita);
2. Werderson
dos Anjos, conhecido como SON, dezenove anos, cor negra, solteiro, filho de
Jacira dos Anjos e João da Anunciação, residente no aglomerado das Paineiras,
morte instantânea com ferimentos à bala de Fuzil AR15 (uma na parte frontal do
crânio, seis no tórax); ferimentos à bala de Pistola ponto40 (duas na coxa
direita, quatro nas costas) e ferimento de uma bala de Revolver calibre 38 na
parte anterior da perna esquerda;
3. Josecler
Oliveira, conhecido como SACI, dezoito anos, cor negra, solteiro, portador de
necessidades especiais (teve a perna direita amputada após ser agredido com um
facão pelo padrasto), filho de Maria da Conceição Oliveira, pai desconhecido,
morador de rua, morte instantânea com ferimentos à bala de Pistola ponto40
(duas na lateral direita do crânio), ferimentos à bala de Pistola 380 ( uma na
nuca), ferimentos à bala de Fuzil AR15 ( três no tórax, duas no abdômen);
4. Charley
Pinto, conhecido com CHAPAU, vinte anos, cor parda, solteiro, filho de Dores da
Souza Pinto e Antônio Moraes de Souza, morador no aglomerado das Paineiras,
morte instantânea com ferimentos à bala de Fuzil AR15 (duas na lateral direita
do crânio, duas no tórax); ferimentos à bala de Pistola ponto40 (quatro nas
costas) e ferimento de uma bala de Revolver calibre 38 no abdômen;
5. Disnei
Antônio dos Silva, conhecido com NEI FUMAÇA, dezenove anos, cor negra,
solteiro, filho de Celestina Aparecida da Silva e Clarinor da Silva, morador do
aglomerado Tem dó, morte instantânea com ferimentos à bala de Revolver 38 (duas
no tórax); ferimentos à bala de Pistola 9mm (três no abdômen) e ferimento de
uma bala de Pistola ponto40 no crânio;
6. Andersonclayton
Pereira dos Santos, conhecido como MARGARINA, dezoito anos, cor branca,
solteiro, filho de Mirinha Pereira dos Santos e Ronildo dos Santos, morador no
aglomerado Vintém, morte instantânea com ferimentos à bala de Pistola 9mm (duas
na perna esquerda), ferimentos à bala de Pistola ponto40 ( uma na nuca),
ferimentos à bala de Fuzil AR15 ( três no tórax, duas no crânio);
7.
Kelly Cristina Alves, conhecida como KEL, dezoito anos, cor branca,
amasiada, filha de Cláudia Alves, pai desconhecido, residente no aglomerado do
Tem dó, morte instantânea com ferimentos à bala de um revolver 38 (uma no
coração), deixa um filho de dois anos.
Kel foi violentada pelo padrasto desde os cinco anos de idade, enquanto
a mãe prestava serviços de limpeza em casas de família. Aos treze conheceu TRÊ,
fugiu e foi morar com ele no aglomerado Paineiras. Ele tinha quinze anos, teve
distúrbio cerebral decorrente de fome aguda nos primeiros anos de vida e a
seqüela ficou como uma tremedeira na mão esquerda, daí TRÊ. Praticava pequenos
furtos no centro da cidade, celular, corrente, pulseira, bolsas a tiracolo,
coisas sem importância. Ela, não, ficava nas esquinas avaliando incautos para
apontar para o amante e guardar numa sacola o produto dos saques. Dessa época,
restaram os cinco amigos mais próximos, outros foram presos, mortos ou sumiram.
Aos domingos eles iam pra uma cachoeira próxima ao aglomerado do Tem dó. Ali faziam
sexo, se drogavam, e planejavam o futuro: montar uma boca. Claro que nesse aglomerado já havia pelo
menos três, a do Caolho, a do Zeu e a do Cão. Então tentariam noutro
aglomerado, quem sabe o Paineiras ou mesmo o Vintém, onde só rolava erva.
Belo dia, NEI FUMAÇA apareceu com uma história de que a polícia havia
dado uma batida no Paineiras e levado boa parte da boca. Era a hora: juntaram
os seis e fizeram a sequência. No início foi bravo, sem experiência qualquer
trampo é trampo, dizia SON. Rolou beleza por uns tempos, criaram freguesia
certa e segura, uns meninos zona sul que entravam no aglomerado de moto, com
identificação sabida e a vida caminhou.
Nas armas pegaram depois do episódio na casa do Josecler que era, até
aquele dia, um puta craque nas peladas de final de tarde. Quando chegaram à
casa ele estava com o sangue ainda se esvaindo. Não deu outra, correram com
Josecler para o Pronto Socorro no Monza do seu João da Anunciação, que foi
dirigindo, puto da vida por conta da sujeira que virou o seu carro. Foi foda,
para todo mundo. Josecler era o cara, pombas! Agora, sem a perna direita. A
sacanagem do apelido foi do Margarina, que um dia viu Josecler saltando dentro
de casa sem nenhuma ajuda ou recurso que lhe permitisse o equilíbrio. Pô, o cara
é um puta Saci! Aí pegou.
Nunca tinha acontecido, até
então. Dona Conceição apareceu com um 38 dizendo que aquele puto não ia de
manter vivo. Agredir o filho com facão e aleijar o pobre do menino. - Num vai
fazer doideira, mãe... Deixa esse viado... Foi quando CHAPAU pegou o 38 e
disse: - Deixa comigo, eu faço o serviço. - Pô cara, negativo, a gente tem
levado tudo na boa sem pegar nesses troços, foi Margarina quem ponderou. - Pois
tá na hora, foi logo apartando TRÊ. -
Vamo pegar esse filho da puta! Quem arrumou esse berro, dona Conceição? Tomando
o revolver da mão de Chapau. – É do
sacana! Respondeu Dona Conceição. – Melhor então, ele vai morrer do seu próprio
trabuco!
E foi assim. O cara teve coragem de voltar depois de alguns dias à casa
da dona Conceição e Saci estava sozinho, enrolando uns baseados. – Ai, garoto,
agora aprendeu quem é homem nessa casa? Não deu tempo de mais nada, pois já
tinham avisado para o TRÊ que o elemento tinha entrado no aglomerado. TRÊ
entrou na casa e gritou: - Morre seu filho da puta! Descarregou as seis balas
prá cima do cara. Agora era tarde, matara pela primeira vez. Pegaram o corpo,
jogaram dentro do Monza do seu João da Anunciação que foi dirigindo, puto da
vida por conta da sujeira que virou o seu carro. Jogaram o corpo num matagal,
tiraram gasolina do Monza e atearam fogo no sacana. – E aí, TRÊ, o que rolou quando arrumou o
cara? Perguntou Chapau. – Alívio! Respondeu TRÊ, poderoso.
Depois disso a boca ficou pedreira. Cresceu e a turma consumidora quis
levar pó, além de erva, o trampo ficou sujo. Com o pó, veio a pedra e não teve
jeito: pintou os trabuco de tudo quanto é calibre. Dalí prá frente é o de que
já se sabe. TRÊ, dono da boca, era safo e tinha fidelidade incondicional de
Chapau, Son, Saci (que tornara da administração interna da boca), Margarina e
Nei Fumaça. Além deles toda a comunidade do Paineiras jogava o jogo e, é claro,
com boa ajuda dos da Lei. Kel não fazia parte do esquema. TRÊ blindava.
Rolou muita grana e eles se arrumaram bonito. Cada um com seu pedaço de
lugar, amoitado que só os sete sabiam onde. Movimento diário, dia inteiro e
noite adentro. De quando em vez pintava uns grilos com alguém da turma ou da
comunidade, dando de esperto ou querendo furar os esquema. Nessa toada foram um
quinze. Puto ou não, sobrava pro seu João da Anunciação que de quebra começou a
se interessar pelo negócio já que os meninos bancavam o carreto e enchiam o
tanque de gasolina. – Menos, mal, dizia ele.
Numa noite chegaram à boca do Paineiras com a notícia que o Vintém e o
Tem dó tinham virado. TRÊ e Son estavam juntos e rapidamente localizaram
Chapau, Mangarina, Nei Fumaça e foram para a casa de Saci. Os caras das bocas
vizinhas tinham se pegado. Morreu uma penca de cada lado e fragilizou. Foi foda
pra decidir, mas não deu duas horas três dos comando dos fornecedores,
principalmente de pó, apareceram na casa de Saci. – As boca são sua, TRÊ. Pega
logo que nós vamo agilizar os procedimento... Vamo com tudo, cara! A comunidade
do Paineiras tremeu quando viu uns trinta deles entre quinze e, no máximo vinte
anos, sem camisa, tênis, chinelo de dedo e fortemente armados descerem as
ruelas.
Na manhã seguinte, os do Paineiras tinham fechado o Tem dó e o Vintém.
Alguns dias depois já tinham corrigido o andamento, com ajuda dos da Lei, nessa
uns vinte desceram o Vintém e uns dezoito desceram o Tem dó em cobertores ou
carrinhos de mão encharcados em sangue, poucos a facadas, mais no tiro mesmo.
Não dava mais para seguir com o Monza do seu João da Anunciação, ficou mesmo
para o rabecão do IML o serviço de rotina.
Pelo porte decidiram que a base ficaria no Tem dó, com TRÊ, Nei Fumaça e
Saci. No Paineiras, Son e no Vintém, Margarina e Chapau. Seu João da Anunciação
abandonou a sua oficina mecânica e passou a queimar gasolina do Monza na
recepção, transporte e distribuição dos bagulhos nos três pontos. Afora os
contratempos normais da operação tipo ajuste de preço e correção de excessos de
rompante de um ou outro membro da comunidade, que logo era sanado nos
procedimentos sabidos, a vida caminhava mole.
Nos tempos dos banhos de cachoeira próxima ao Tem dó, Kel rolava com
todos, menos com Margarina que transava mesmo era com Chapau. Desde que eles se arrumaram na boca do
Paineiras, TRÊ fixou Kel só prá ele e ela nunca foi tão feliz. Difícil de
aceitar por Son, que também queria Kel como só dele. Foi numa manhã de
sexta-feira perto do meio dia, que ela vinda da farmácia disse numa roda em que
estavam TRÊ, Nei Fumaça e outros dez caras que ela tinha feito o teste de
gravidez e dera positivo. O menino de dezessete anos com tremedeira não só na
mão esquerda, mas agora pelo corpo todo, tomou de Nei Fumaça o Fuzil AR15 e o
descarregou inteiro apontado para o céu. Quando o barulho dos tiros cessou um
dos dez caras que estavam na roda ligou o celular: - Son, Kel tá prenha!
Os quase nove meses que se seguiram foram de aguda espera, até que numa
madrugada Kel começou a ter as dores e TRÊ saiu desembestado com ela a procura
do seu João da Anunciação que no Monza os levou ao hospital. Seu João da
Anunciação entrou com Kel, TRÊ ficou no Monza, era melhor não dar mole. Cansado,
adormeceu. Por volta das cinco da manhã
TRÊ acordou sobressaltado com o barulho de batidas no vidro do carro. Eram os
da Lei. Enquadram e o levaram para o DP. Dez dias, três ônibus incendiados,
três viaturas tombadas e uma grana nas mãos de boa parte da estrutura dos da
Lei depois, TRÊ conheceu o garoto e Kel chorou. TRÊ olhou para a criança que
dormia no berço e perguntou à Kel: - E a mão?
- Beleza, ela respondeu.
Kel colou no menino, só tinha vida prá ele. Quando TRÊ estava em casa
ela insistia na conversa de ele largar o trampo, sair dali e ir morar num
interior qualquer. Ele estava com dezenove, ela com dezoito anos, tinham toda a
vida pela frente, com a grana que já havia rolado dava pra começar qualquer
comércio em outra cidade.
Isso foi num crescendo até que um dia ele comentou com Saci os
interesses de abandonar o trampo. Saci passou para Son, para Nei e Margarina
que passou a Chapau. – Fragilizou, disse Son quando soube. Son procurou TRÊ na
mesma noite e quis saber. TRÊ confirmou e pediu a Son que reunisse o grupo.
Quando saia de casa para ir ao encontro dos demais TRÊ beijou o garoto e Kel
dizendo a ela que deixaria as bocas naquela noite. Levava consigo a inseparável
Pistola 9mm que passaria a Son, como sinal de quem deveria ser dali para frente
o dono. Kel ficou sozinha com o filho. Pouco mais tarde, invadiram a casa uns
elementos procurando por TRÊ. Ela não disse onde ele estava.
No jornal da TV na manhã seguinte, o destaque foi o ataque terrorista no
Marrocos em que morreram cinco civis.
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