terça-feira, 31 de maio de 2011

CONTRATO

Contabilizo até aqui mais de 10.000 pessoas que participaram de meus seminários/workshops/MBAs com duração variando entre 16 e 40 horas cada. Um dos momentos mais ricos do encontro é o de uma dinâmica de grupo. Realizada num salão sem nenhum mobiliário, nem mesas, nem cadeiras, as pessoas se colocam de pé. Fixo quatro cartazes, um em cada uma das quatro paredes: CONCORDO TOTALMENTE, CONCORDO EM PARTE, DISCORDO TOTALMENTE e DISCORDO EM PARTE. Projeto sete frases, uma a uma, e peço aos participantes que se coloquem próximo ao cartaz que mais se aproxima da sua posição. Apresentarei aqui, em cada post, o desenvolvimento da dinâmica em cada frase.
Fossemos seres simples eu poderia dizer, por essa experiência acumulada em anos de aplicação dessa dinâmica, que não tenho muita esperança na espécie. Felizmente seres complexos que somos e pela superficialidade de minha análise, creio que ainda há chances. 
Enunciada a dinâmica os grupos, sem tomarem conhecimento das frases que serão projetadas, já iniciavam um pequeno embate: mas qual a diferença entre concordo em parte e discordo em parte? Ouvi os argumentos mais sofisticados a respeito.
Colocada cada frase no projetor de slides e uma vez tendo os participantes assumidos a sua opção abro o debate consultando a todos por que escolheram a posição. Deixo que os argumentos fluam livres e quanto mais intensos e acalorados, mais ricos.  A vida me permitiu aplicar essa dinâmica e experimentar momentos preciosos do confronto humano.
A primeira frase: “TODO PRODUTO NÃO PERFEITO QUE É ENTREGUE AO CLIENTE É, NO FUNDO, UMA QUEBRA SÉRIA DE CONTRATO.” A dinâmica transcorre em duas etapas. Na primeira, o grupo está distribuído pelas opções dos cartazes e os participantes livremente expõem os seus argumentos. Aliás, você que não participou ainda de um dos seminários, opte agora. Você concorda totalmente, concorda em parte, discorda totalmente ou discorda em parte?
Faço aqui uma breve síntese de argumentos ouvidos por força da opção assumida, muitas das vezes com elevação da voz, aos gritos, com fortes apelos inclusive hierárquicos, sedutores, enfim, humanos. Em concordo porque: considero uma quebra séria entregar algo que não esteja adequado ou Se eu contratei devo cumprir. Eu discordo totalmente: se fosse assim não existiria recall, assistência técnica, pós-venda, liquidação, brechó... Eu discordo porque não sei os termos do contrato... Quantas vezes compramos algo que tem um pequeno defeito... Aliás, o que é perfeito? Pergunto aos participantes se em função dos argumentos alguém se dispõe a mudar de posição. Foram raras as vezes que ocorreu uma transferência de alguém para outro lado. E em todas as vezes que isto ocorreu o lado que recebia o participante entrou em euforia e o do qual ele saiu ocorreu certa preocupação. Interessante observar que mesmo pessoas colocadas próximo a DISCORDO EM PARTE não caminhavam em direção a CONCORDO EM PARTE ou o contrário. Afinal, não é a mesma coisa? Na prática, não.
Quando o debate está aquecido e sinto que os argumentos começam a se repetir intervenho e paro o processo, enunciando duas novas regrinhas: não vale o uso de exemplos e os argumentos não podem ser colocados senão na primeira pessoa do singular. Retiro os cartazes de CONCORDO EM PARTE e de DISCORDO EM PARTE e peço que eles se posicionem dentro das novas regras.
É imensa a dificuldade de alguns em argumentar seus pontos de vista sem usarem exemplos da vida cotidiana além de ser para tantos extremamente difícil colocarem seus argumentos na primeira pessoa do singular. Ouvi, por exemplo: uma empresa que está com um lote de produtos avariados, a Fiat, por exemplo, com o problema do granizo, comunica ao mercado... Coloco que não vale exemplo e o argumento deve ser feito na primeira pessoa do singular. Mas há a prévia comunicação ao cliente...
Tomo a palavra e convido o grupo à reflexão.  A pergunta que proponho para essa primeira frase é: eu sou uma pessoa séria?
Para o post de amanhã a frase será: “EM NOSSA BUSCA DE EXCELÊNCIA DEVEMOS SEMPRE RESPEITAR OS CONCORRENTES COMO ‘ATLETAS’ QUE PARTICIPAM DA MESMA OLIMPÍADA.”
Apreciaria muito receber comentários ao longo da exposição das sete frases. Minha expectativa é que, concluídas as sete frases, eu possa construir uma síntese reflexiva.
Obrigado.
Até amanhã.

domingo, 29 de maio de 2011

MARCA



Minha mãe voltara da missa de fim de tarde de um sábado. Ela sempre, aos sábados à tarde, arrumava-se toda, com seus melhores vestidos, sua alfazema e seus cabelos acinzentados, cor de prata, cuidadosamente penteados. Naquele sábado, de fevereiro, ela encontrou em casa meu pai, sozinho, assistindo TV e de forma serena perguntou-lhe: ‘Pepe, você ainda me acha uma mulher bonita?’ Ao que o meu pai respondeu: ‘Claro, Leny, você é a mulher mais linda do mundo!’ ‘Pepe, você esquenta uma caneca de leite para mim, eu não estou me sentindo muito bem, vou me deitar um pouco... ’ Meu pai desligou a TV, foi à cozinha e colocou o leite para esquentar, depois colocou um pouco na caneca e foi para o quarto deles. Encontrou minha mãe deitada na cama, com as mãos postas uma sobre a outra e apoiadas sobre a barriga, com os olhos fechados. Meu pai a chamou pelo nome uma, duas, três vezes. Por um momento ele pensou que ela havia adormecido, deixou a caneca com leite sobre o criado e ia deixando o quarto quando resolveu voltar e chamá-la novamente. Sete dias depois distribuímos a parentes e amigos o pequeno cartão com o diálogo de despedida: ‘Pepe, você ainda me acha uma mulher bonita?’ ‘Claro, Leny, você é a mulher mais linda do mundo!’

Tínhamos acabado de sepultá-la e eu saia no meu carro com meu pai a meu lado, passávamos pela portaria do cemitério, eu perguntei-lhe: ‘Pai, mamãe entregue, o que o senhor quer fazer ainda?’ Ele sem pensar muito, olhou para mim e disse: ‘Eu quero rever Vicente Pelizzia. ’ ‘Quem é esse Vicente?’, perguntei surpreso. ‘Um grande amigo de infância... Tem oitenta anos... Nasceu no mesmo dia que eu... ’ Meu pai nunca havia falado de Vicente Pelizzia até então. ‘Você nunca nos falou dele. Esse cara ta vivo, pai?’ Meu pai com um olhar grave respondeu: ‘você me perguntou o que eu quero. Eu quero rever Vicente Pelizzia. ’

Meu pai nasceu na Argentina, numa cidade quatro horas ao norte de Buenos Aires. Veio adolescente para o Brasil e nunca mais retornou. Naquele dia no cemitério resolvi levar meu pai até a sua cidade natal e em todas as vezes que perguntei ao meu pai se o amigo estava vivo ele sempre respondeu: ‘você me perguntou o que eu quero. Eu quero rever Vicente Pelizzia. ’ Consultei minhas tias que, mais velhas que o meu pai, mal se lembravam dos seus próprios nomes quanto mais se Vicente Pelizzia estava ou não vivo. Pesquisei na internet, sem êxito.

Organizei-me e no mês de abril, dois meses após o falecimento de minha mãe fomos meu pai, eu, minha esposa e uma tia dela para Buenos Aires. Eu não levava nenhuma referência onde pudesse encontrar Vicente Pelizzia. Minha intenção era levar meu pai a Buenos Aires, ficar ali por três dias e retornarmos ao Brasil. Fizemos juntos agradáveis passeios em Buenos Aires.

Na noite do terceiro dia que estávamos em Buenos Aires, bati na porta do apartamento do hotel em que meu pai estava instalado e entrei. Meu pai estava organizando as suas roupas e pertences na mala: ‘o que o senhor está fazendo, pai?’ Perguntei-lhe apreensivo. ‘Você está me engalobando... Já ficamos três dias aqui... Eu não vim aqui para passear... Estou indo rever Vicente Pelizzia! Abracei-lhe e disse que iria alugar um carro no dia seguinte e que nós iríamos até a sua cidade natal. ‘Não, vá à rodoviária, compre passagens só para nós dois... Vamos e voltamos amanhã mesmo. ’ Assim eu fiz.

No dia seguinte, chegamos bem cedo à rodoviária. Apontei para meu pai as placas indicativas das plataformas de embarque e disse a ele o número da plataforma que sairia o ônibus com destino a várias cidades, entre elas a de onde ele nascera. Meu pai aumentou as passadas e foi em direção a plataforma que eu indicara. Quando chegamos, havia um casal de idosos sentados em cadeiras da plataforma. Meu pai aproximou-se, cumprimentou o casal e perguntou dirigindo-se à senhora qual era o destino deles. A senhora respondeu o nome da cidade para qual estavam indo e meu pai perguntou se ela conhecia a cidade natal dele. A senhora disse que sim e que havia morado lá durante vários anos. Meu pai perguntou à senhora se ela conhecia Vicente Pelizzia. Aproximei mais de meu pai, abracei-o e esperei tenso pela resposta. A mulher demorou-se um pouco, olhou para o marido. Então, os dois balançaram juntos a cabeça em sinal de afirmação. Foi a senhora que disse: ‘Si.’

Eu sentei à janela, meu pai no corredor e o casal nas poltronas ao lado. Foram conversando durante duas horas e meia (tempo de duração da viagem até a cidade onde o casal desceu), Vicente Pelizzia entrara e saíra da conversa por diversas vezes e eu não sabia se ele estava vivo ou não. Na primeira meia-hora de viagem pedi ao meu pai que ele perguntasse ao casal: ‘pergunta, pai, pergunta. ’ Eu estava com receio de dizer claramente para ele perguntar se Vicente Pelizzia estava ou não vivo. Ele, incomodado: ‘perguntar o quê, rapaz?'

Fiquei calado todo o tempo que restou do momento em que o casal desceu até quando chegamos à cidade natal do meu pai. Descemos do ônibus e eu fui direto comprar as passagens de volta. Meu pai vinha atrás de mim. Eu estava no guichê e meu pai debruçou-se sobre o balcão e perguntou à jovem que nos atendia: ‘conheces Vicente Pelizzia?’ A jovem respondeu que não, eu disse a ele que iríamos procurar um catálogo de telefones, uma delegacia de polícia, enfim algum lugar onde pudéssemos ter alguma informação sobre Vicente Pelizzia. Meu pai disse que gostaria de passear pela cidade.

A cidade natal de meu pai na verdade é até hoje muito pequena. Meu pai colocou as mãos para trás e saiu andando lentamente pelas ruas e de quando em vez perguntava a um e outro se conhecia Vicente Pelizzia. Foi assim que perto de duas horas depois nos deparamos com uma senhora na sacada de sua casa e meu pai dirigiu-se a ela, perguntando: ‘conheces Vicente Pelizzia?’ Antes de a senhora responder saiu da garage da casa um jovem e disse: ‘meu tio, por quê?’ Eu pulei para perto do meu pai, meu coração estava aos saltos, abracei-o e aguardei que ele perguntasse afinal. Meu pai não perguntou, aumentou o tom de voz e disse: ‘me levas até ele!’, desvencilhando-se do meu abraço. O jovem disse: ‘um minutinho, por favor, que vou buscar as chaves do meu carro... ’ Enquanto o rapaz foi dentro de casa e voltou fiquei em silêncio olhando para os olhos de meu pai. Eles estavam absolutamente serenos. O rapaz nos colocou dentro do carro dele e nos levou até a casa de Vicente Pelizzia.

Vicente Pelizzia não estava em casa. Ficamos na calçada em frente e depois de poucos minutos vimos um senhor baixo, mas forte, vindo em nossa direção. Meu pai me disse: ‘é ele. ’ Foi ao encontro de Vicente Pelizzia o abraçou efusivamente e com lágrimas nos olhos disse que havia vindo do Brasil apenas para revê-lo. Eu estava experimentando um dos dias mais plenos da minha vida.

Passamos o dia inteiro com Vicente Pelizzia, sua esposa e seu neto de oito anos de idade. Meu pai esgotou toda a sua energia. Quando entramos no ônibus para retornarmos à Buenos Aires, coloquei meu pai sentado à janela. Esperei que ele relaxasse, coloquei a mão direita atrás do pescoço dele e fitando diretamente nos olhos, disse: ‘pai, você vai me responder com toda a sinceridade, você nunca cogitou desse cara estar morto? Em nenhum momento você pensou que poderia não encontrá-lo... ’ Meu pai jamais compreendeu o que significou para mim a sua resposta naquele entardecer de abril em Salto, Argentina. ‘Como, se era tudo o que eu queria.’

Meu pai veio dormindo durante as quatro horas de viagem de retorno à Buenos Aires e eu, profundamente emocionado com uma pergunta que de vez em quando ainda me faço:

- Quem é meu Vicente Pelizzia?


Até breve.

sábado, 28 de maio de 2011

PERSONA II

Penso que Trabalho na equação seja a determinante e Emprego e Empresa variáveis secundárias. É verdade, como querem alguns, que é melhor chorar dentro de uma BMW série 7000 do que dentro de um UNO Mille. No entanto, o choro deriva da mesma origem. Independente da posição na hierarquia e do pacote de benefícios (houve uma época que senzala fazia parte do rol) o drama se estabelece. Eu não estou bem com o que venho fazendo.
Tive um colega na Fiat (glamour empresarial da época, todo mundo em MG queria trabalhar na Fiat que se implantava em Betim), profissional de destaque na hierarquia, bom pacote remuneratório, tudo de bom diriam hoje, mas que por alguma razão não estava bem. Na segunda-feira quando chegávamos para trabalhar encontrava o colega e ele, invariavelmente, dizia: ainda bem que é amanhã é sábado. Embora ele ficasse uma arara eu sempre retrucava: que isso, cara, amanhã é terça. E ele, puto: não me fale, prá eu agüentar o dia de hoje eu tenho que achar que amanhã é sábado. Nos dias seguintes a historia se repetia. O pior que não é uma brincadeira nem um caso isolado, mas quase um padrão.
No seminário da Eletropaulo, em dado momento, eu perguntava aos participantes: quanto tempo de trabalho vocês têm? Recebi todo tipo de resposta, mas uma ocorreu mais de uma vez: faltam dois anos... E eu, embora soubesse, perguntava: faltam dois anos, como assim? Para a aposentadoria, ora! Para alguns o trabalho é como uma cela e o tempo é contado de maneira regressiva. Refletia então com eles a palavra aposentadoria. 
Um cunhado meu, aposentou-se na Petrobras. Aposentadoria na Petrobras, não tem nada de melhor, talvez BB ou CEF. Uma mãe, com todo o respeito, claro. Vinte e cinco anos de serviços prestados sem uma falta e férias de trinta dias religiosamente gozadas a cada ano. Um CDF o cara. Belo dia aposenta-se. Poucas semanas depois ele aparece na minha casa, transtornado: ‘Agulhô, que mulher é aquela?’, referindo-se à esposa, minha irmã. E eu, mordaz: minha irmã... E ele: mas que diabo de mulher é aquela, Agulhô? Minha irmã, já te disse, porque você acha que a gente passou aquilo prá você? Que casa é aquela? Que meninos são aqueles, Agulhô? Infelizmente também parece comum: a pessoa vincula-se umbilicalmente e de tal maneira que passa uma vida inteira e quando deságua no vazio da aposentadoria pergunta: que vida é essa? Se bem que agora aposentar-se depois de 25 ou 35 anos de serviços prestados à mesma empresa é démodé. A meninada dita da geração Y (tinha jurado nunca usar essa bobagem) não fica na mesma empresa mais do que cinco anos, até porque o mundo corporativo hoje é como máquina de moer carne.
No Aurélio está posto que APOSENTO radical da palavra APOSENTADORIA, quer dizer: cômodos que estão alocados atrás das moradias. Você sai da sala de estar. Belo dia estou numa fila de banco e começo a conversar com um senhor que estava imediatamente atrás de mim. Conversa vai conversa vem ele comenta que um amigo aposentou-se e que vivia amando a esposa, foi o que eu ouvira. ‘Bacana, um sujeito aposentado que ainda ama a esposa?’, brinquei. ‘Não, ele disse, você não entendeu; ele vive a mando da esposa.’
Levei um copo de água para o executivo da Eletropaulo que se estirara no sofá. Não é possível ao profissional da escuta ficar imune. Ao longo da vida fui privilegiado por momentos ímpares que exigiram e exigem de mim especial cuidado. Ali estava um ser humano arrasado depois de uma penca de anos dedicados a sabe-se lá o quê. Faria, no ano seguinte ao seminário, trinta e seis anos de empresa e trinta e três anos de casado com a esposa, também empregada da empresa. Três filhos, dois empregados da empresa, um genro também empregado da empresa. ‘Dedicamos toda a nossa vida a isso aqui... ’ Disse, apontando para o vazio. ‘Confesso que estou morrendo de medo de ser demitido com a privatização. Se isto acontecer, juro que me mato. ’ ‘ Mas o que te leva a pensar que será demitido?’, ponderei. ‘Tem muita sacanagem no mundo, professor. ’
“Eu estava preso numa masmorra no Recife, vítima da ditadura militar, num espaço de um metro e quarenta de altura, setenta centímetros de largura, setenta centímetros de profundidade e recebia o alimento por uma fresta por onde também entrava a luz. Apesar desta circunstância, eu me descobri Paulo Freire.” Esse é um pequeno trecho de uma das últimas entrevistas do extraordinário educador dada ao canal de TV Globo News.
Pois é.

Até breve.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

PERSONA



Conduzi o módulo de Liderança no Programa de Preparação de dirigentes para a Privatização da Eletropaulo, de setembro a novembro do ano anterior a efetivação do processo. Do seminário de dezesseis horas participaram mais de 900 executivos, entre diretores, superintendentes e gerentes de diversos níveis distribuídos em quinze turmas cada uma com sessenta e poucos participantes. Uma maratona. O propósito do módulo foi o de levar os dirigentes a pensarem os impactos trazidos pela privatização e qual deveria ser a conduta deles enquanto líderes no processo. A Eletropaulo pelo seu gigantismo e também por força das alterações nos marcos regulatórios recém-promulgados do setor elétrico foi separada em quatro grandes empresas, todas vendidas em abril do ano seguinte ao seminário.

Escolhi essa experiência para ilustrar uma singela tese que venho desenvolvendo e que não será possível esgotá-la aqui. Três palavras têm marcado a personalidade de milhões de pessoas: Trabalho, Emprego e Empresa. Trabalho que nos dá a dimensão MORAL: classificamos aquele que não trabalha como vagabundo, parasita, marginal. Lembro-me que minha mãe ia me buscar puxando-me pelas orelhas nas peladas: vai fazer alguma coisa que preste, menino! Eu corria para o quarto, abria uma folha de papel almaço e escrevia na capa: TRABALHO de História. Emprego, que nos dá a dimensão TEMPORAL, na medida em que estamos vinculados por um contrato que, se não rescindido antes entre as partes, será concluído por ocasião da aposentadoria. Daí o FGTS: Fundo de Garantia por TEMPO de Serviço. Empresa que nos dá a dimensão ESPACIAL, sendo o lócus do trabalho e o elo com que se faz o vínculo. Quando ligamos no telefone para alguém que não nos conhece, do outro lado da linha nos pergunta: Agulhô de onde?Não é sem razão que incorporamos ao nosso sobrenome a marca da Empresa: Agulhô da Fiat, Agulhô da FDC, Agulhô do IBMEC... Somos, portanto, um sujeito moral num tempo e num espaço. Isso nos constitui, e a sociedade nos cobrará por isso.

Não são poucos os casos de pessoas que, diante da possibilidade ou efetivação da perda do emprego, entram em processo de agudo estresse, algumas inclusive vêem cindida a sua própria personalidade. De tudo que observei o dano maior não me pareceu o de natureza  financeira, mas o dano moral e o da identidade. Algumas pessoas ao perderem o emprego têm vergonha de voltarem para o seio da família ou de amigos, alem de ser muito difícil para elas ficar sem um sobrenome.

O conceito de trabalho foi fundido ao de emprego, de tal sorte e com tal intensidade, que algumas pessoas não conseguem ver a distinção entre um e outro. O trabalho como energia, que possui fórmula até na física (trabalho=força X distância), o emprego como uma das alternativas para aplicação dessa energia. Assim se perguntadas o que é a pessoa que não trabalha, elas responderão: desempregada. O trabalho, portanto foi vitimado enquanto bem de produção, tornando até a estrutura do tempo condicionada a este ditame. Nomeamos os dias de segunda a sexta-feira como dias UTEIS e o domingo como REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. A sexta-feira, inclusive, serve ao happy hour, a nossa hora feliz é quando abandonamos o trabalho.

Esquartejaram a minha mãe em quatro pedaços.” ou “Dividiram a nossa família em quatro.” Foram algumas das frases que ouvi ditas por executivos da Eletropaulo, no seminário. Foram inúmeras as queixas das perdas e danos de pessoas que contavam com mais de vinte e cinco anos de vínculo. Visceralmente vinculadas. Lembro-me de um momento relevante acontecido em uma das turmas. Eu havia iniciado a abordagem do tema e escrito no flip shart as três palavras. Ocorreu no seminário um longo debate conceitual (impossível de discorrer aqui) sobre as palavras, mas quando dizia que o emprego é apenas uma das alternativas para aplicação de trabalho um dos participantes interpelou-me abruptamente e disse: é a alternativa. Consultei o grupo se na opinião deles o trabalho estava aumentando ou reduzindo: acabando! Quase em uníssono. Argumentei que, em minha opinião, o trabalho estava aumentando, nós nunca fomos demandados tanto quanto agora, nossa energia é demandada física, intelectual, moral e espiritualmente como nunca. Então fiz a pergunta: e o emprego, está aumentando ou reduzindo? Acabando! Agora em uníssono e com variações do tipo: Capado, foiçado... Fui ao flip shart e fiz um grande X sobre a palavra EMPREGO tentando com isso explicitar a opinião do grupo. Por ter forçado a ponta do pincel atômico sobre o papel, saiu um som semelhante a algo que se rasga. Ouvi um grito vindo do fundo da sala: Aiiii!!!! Era o mesmo participante que havia dito que emprego é a alternativa. Ele levantou-se, passou por mim e olhando nos meus olhos, disse: senti como se cortasse na minha carne.   Quando olhei para o grupo percebi que ele havia sentido um profundo baque.  Argumentei que o emprego está mudando, evoluindo para outros mecanismos e alternativas de contratação. Fiz um intervalo e fui ao encontro do executivo que havia saído. Encontrei-o estirado num sofá, num dos saguões do local do evento e pudemos conversar durante todo o intervalo.


Até breve. 

quinta-feira, 26 de maio de 2011

VALORES



No post de ontem deixei uma historinha que até agora a mim angustia. A do cotidiano e de seus personagens aflitos. O título incomoda: VISÃO. Terei que elaborar um pouco, por que e de repente, lancei mão desse título para um texto banal extraído de algo não menos desimportante do que um dia qualquer da vida de um qualquer cidadão. A alienação e a esperança, como visão arrebatadora. Lembro-me, porque em mim isso é comum de observar, os olhos do taxista e do rapaz que me passou o folheto. Algo de muito importante eles estavam fazendo. Primeiro, o taxista, com sua alucinada alegria contagiante. Depois o jovem, com sua satisfação imensa em estar contribuindo por algo que possa vir melhorar a vida das pessoas.

Penso que o dia de ontem a mim é suficiente. Pelo que se vive senão para buscar a alegria, em todo o seu significado, ou ainda para construir algo que possa servir aos outros para a sua própria alegria? 

Recentemente em um documentário sobre Manoel de Barros, um dos entrevistados, que não me recordo o nome, disse que o humano não foi feito para o que está aí. Referia-se a tudo o que se passa e é desnecessário trazer aqui.

Fomos massacrados pela história e, a liberdade, maior sonho que o humano acalenta, também se encontra no rol de itens da procura de natureza econômica. Precisamos de mais para nós próprios para usufruir mais e mais de nossa riqueza e para ter mais e mais para o nosso deleite e para ter mais, e ter mais, e se possível mais... Ainda.

Talvez fosse necessário que recuássemos um passo e olhássemos adiante. É preciso cuidado, zelo, compromisso, é preciso. Não fomos capazes até agora de refletirmos com íntima sinceridade sobre tudo o que está aí, inclusive próximo, bem próximo de cada um de nós. Não se trata de recusar o tempo presente e seus matizes, mas poder pensar sobre ele. É preciso recuperar Darwin na sua teoria da evolução das espécies. Darwin nunca usou a palavra evolução como sinônimo de melhoria, mas com o sentido de mudança. Basta ir à medicina e observar o documento que dá o quadro final de cada um de nós: evoluiu para óbito.

Estou indo agora para Ribeirão das Neves abrir uma das 25 conferências regionais da 5ª. Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais, com o tema: “Alimentação saudável, Adequada e Solidária: Direito Humano Básico”.

Se me perguntarem hoje se estou bem, usarei Mário Quintana: estou bem, apenas com uma ligeira dificuldade em ser.


Até breve.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

VISÃO



Hoje, pela manhã, tomei um taxi. Sou daqueles que gostam de saber o que se passa a partir dos motoristas de taxi, tem alguns ótimos. Esse estava cantando e assobiando numa alegria contagiante. Colocada no painel do carro uma bíblia bastante danificada, sinalizando ter sido consultada inúmeras vezes. Na porta do meu lado, logo que entrei no carro, observei outra bíblia, esta em melhores condições. Vejo que você está muito feliz, não é, companheiro, disse logo depois que sentei e fechei a porta do carro. Se o senhor está conosco, quem pode estar contra nós? Ouvi, durante os quinze minutos de itinerário a tese de que o senhor tem uma visão que nos ilumina e se a seguirmos teremos o que almejarmos. Sempre.

Quando descia do carro, antes mesmo de fechar a porta, me abordou um rapaz me entregando o folheto reproduzido abaixo.

Então, hoje é o dia da liberdade de impostos? Não deveria ser feriado e nós estarmos todos comemorando na Praça Tiradentes, logo ali próximo na avenida? Lembrei-me que não, faltava ainda conquistar a liberdade. Por enquanto é só um movimento de jovens (que inveja que tenho deles) com face book e twitter, da CDL/BH e com extensão simultânea em Brasília, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

Fico com a sensação quando me deparo com esses movimentos, IMPORTANTÍSSIMOS sou obrigado a reconhecer, que a ilusão democrática nos cegou para algumas coisas. Num vai acontecer! E num vai acontecer simplesmente porque quem poderia fazer com que acontecesse jamais o fará. E todos nós sabemos disso. O óbvio é que nos escandaliza. Além disso, não me parece que a questão central seja o percentual da sangria, mas sim a sua destinação. Se for 40% como estimam os organizadores do movimento, é uma belíssima soma que nos transformaria numa nação com níveis de escolaridade, saúde, segurança e riqueza social invejáveis no cenário internacional. Mas a gestão não é conduzida por santos, mas por seres humanos, e os seres humanos pecam, meu Deus!

Alguém pode me informar onde se vende bíblia? Estou decidido a comprar logo três. Quem sabe reduzo a inveja que senti do motorista de taxi?




Até breve.

terça-feira, 24 de maio de 2011

ÉTICA



Estive de sexta-feira a domingo no Meeting Brasil, promovido pela Consulting House de quem sou parceiro, no Hotel Jequitimar, Guarujá-SP.  O evento contemplou duas palestras magnas, uma no início e outra no encerramento, e painéis dos quais participaram cerca de duzentos e cinqüenta executivos presidentes, diretores e dirigentes de empresas de grande porte de diferentes setores da economia. Os temas nos painéis foram estruturados em Governança e Gestão, Finanças, Recursos Humanos, Suply Chain, Vendas e Jurídico. Mediei os painéis de Governança e Gestão e de Suply Chain.

No painel de Governança e Gestão foram apontadas três questões centrais: a quem compete o desenvolvimento de líderes (a academia, a consultorias ou a própria organização através de universidades corporativas)? A alegação de vários presidentes é de que há um grande distanciamento tanto da academia quanto da consultoria do mundo real das organizações. E na medida em que cada organização deve buscar sua identidade, cabe a ela promover o desenvolvimento de seus líderes. (Eu disse, o evento contemplou organizações de porte). Outra questão levantada é de como exercer Controle, aqui no sentido amplo e uma das atribuições da governança, num ambiente absolutamente aberto em que podemos considerar a realidade como caórdica, um misto permanente de caos e ordem, ordem e caos. Uma terceira e última questão foi apontada a relação de poder entre os acionistas e/ou seus representantes legais, via Conselhos, Comitês, etc., e os diretores executivos da organização. Nessa questão foi muito comentada a manchete dos jornais americanos quando da crise de 2008: onde estavam os Conselhos?

No painel de Suply Chain, participaram os executivos de três organizações: uma do setor automobilístico, uma do setor de alimentação e a terceira do setor de higiene, cosméticos. As três faturam juntas, por ano, perto de R$35 bilhões e importam e exportam entre 4.000 e 6000 itens cada. Suply Chain é a gestão da cadeia de fornecimento. A competição global não acontece entre empresas, mas entre cadeias de fornecimento. A gestão da logística e do fluxo de informações em toda a cadeia permite aos executivos avaliar pontos fortes e pontos fracos na sua cadeia de fornecimento, auxiliando a tomada de decisões que resultam na otimização de recursos alocados, aumento da qualidade, gerando competitividade ou criando valor e diferenciais em relação à concorrência. Como resultado do painel, mais uma vez pela expressão dos que dele participaram, foi constituído um grupo para articular as diferentes iniciativas, associações e congêneres que se ocupam da estratégia envolvendo o Suply Chain para um melhor equacionamento a nível Brasil das questões relacionadas à infra-estrutura (portos, aeroportos, ferrovias e estradas); aos marcos regulatórios e a sistemas de TI disponíveis do mercado global. Apenas como destaque: um dos participantes, Vice-Presidente de Suply Chain de uma companhia vinícola chilena, discorreu sobre quão é difícil operar no Brasil, queixando do processo que envolve a colocação manual em todas as garrafas de um selinho da fiscalização, um por um (lembro que são milhões de garrafas importadas e exportadas por ano). Ao que o VP da empresa de alimentação rebateu: mato oito milhões de frango por dia e exporto para o mundo muçulmano. Um dos participantes disse que para ser Suply Chain em organizações do porte como a deles somente dentro de duas categorias: sendo louco ou portador de uma inabalável fé. Bacanas, os caras.

Para mim as duas palestras magnas foram o ponto alto do nosso encontro. A primeira de Mário Sérgio Cortela, educador e filósofo da USP. Duas questões de fundo permearam a sua fala conclamando a todos para uma reflexão: o que posso fazer para não ter uma vida fútil, superficial, banal e indecente? E a outra: sei que é legítimo, mas me convém? Para exemplificar essa questão lembrou o jogador da seleção de futebol da França, que marcou o gol de classificação do seu time para a Copa do Mundo de 2008. O gol foi considerado legal pelo árbitro da partida, mas valeu? A França foi humilhada no torneio e coube até processos envolvendo os que participaram da delegação. Nem tudo que é legítimo me convém.

O encerramento coube a Clovis de Barros Filho, também filósofo, da USP e que vem sendo disputado pelo mundo corporativo para dar palestras, também sobre ética. Brilhante o Clóvis. Clóvis nos trouxe a questão: BEM ESTAR ou ESTAR BEM? QUALIDADE DE VIDA ou VIDA DE QUALIDADE?  Para tratar do tema disse que a botânica sabe hoje mais sobre samambaias do que há 30 anos, mas sobre a vida sabemos o mesmo que em 400 a. C. Trouxe o amor e o classificou em três grandes pensadores: o primeiro Platão, para quem o amor é EROS, o desejo do que me falta. Amo o que não tenho, o que tenho a conquistar. O segundo Aristóteles, o amor é FILIA, a alegria. Amo o que me traz alegria. Nos dois primeiros o sujeito é aquele que ama e que nestes dois tipos de amor há convergência, complementação. Amo o que desejo e o que me dá alegria. Há, ainda, um terceiro tipo de amor, ÁGAPE: o que foi pensado e praticado por Jesus Cristo. Sem revestir o personagem da questão religiosa, o pensador nos trouxe o amor ao outro, e aqui o sujeito não é aquele que ama, mas aquele que é amado. 

Mais do que uma jogo de palavras Clóvis nos convida a refletir sobre o que desejamos, o que nos traz alegria e quanto consideramos o outro, pois poderá estar ai o nosso estar bem e nossa vida de qualidade.

Embora a filosofia seja considerada um bem inútil tanto Cortela quanto Clóvis têm dado uma inestimável contribuição ao ambiente de negócios. Vale à pena pensar.


Até breve.

domingo, 22 de maio de 2011

SUCESSO



Hoje relatarei, de forma igualmente breve como foi em FRACASSO e FRACESSO, uma experiência  que considero vitoriosa.

SETOR: Construção pesada. FATURAMENTO: R$1,2 bi. PROPRIEDADE: Familiar com transição concluída para a segunda geração, quatro filhos, três deles à frente dos negócios. CONTRATAÇÃO: Direta, pelos acionistas. GESTÃO: Exercida diretamente pelos acionistas com desgaste com executivos da primeira linha e freqüentes ingerências diretas sobre diferentes níveis da estrutura. Intervenção e controle sobre assuntos prioritariamente operacionais com ênfase sobre custos. Implantação recente de Sistema de Gestão com vistas aos processos de Certificação da Qualidade. Quatro endereços de escritórios, inadequadamente aparelhados, com impacto na sinergia organizacional e custos replicados e/ou desnecessários. Ausência de planejamento, contratação e avaliação de resultados.

O processo de ação consultiva foi desenvolvido durante pouco mais de dois anos. A primeira atividade foi contratada no final do ano em que a empresa contabilizou perto de R$250 milhões de faturamento. A expectativa por ocasião do Planejamento Estratégico era a de que, em cinco anos, a empresa atingisse o faturamento de R$1,0 bi.

Trabalhei intensamente junto aos acionistas e aos executivos, construindo espaços claros de divisão e compreensão de papéis, responsabilidades e autoridade. Intermediei entre um e outro grupo, expectativas de parte a parte. Algumas vezes os acionistas sinalizaram recaída, no sentido de reassumir o comando da organização. Algumas vezes os executivos demonstraram-se incrédulos na possibilidade de que os acionistas se afastassem da gestão.

Instiguei os executivos a conquistarem espaço de poder pela via da demonstração de competência traduzida em resultados, enquanto pedia tempo de maturação aos acionistas. Realizamos, no período da ação consultiva, seis eventos envolvendo o grupo de diretores, superintendentes, gerentes de áreas corporativas e gerentes de unidades de negócios. Essas oportunidades serviram para o estabelecimento dos marcos de referência estratégica e a fundamentar conceitos de gestão e conduta das lideranças. Várias reuniões semanais, primeiro com a participação apenas dos acionistas, depois com os executivos, preparando o encontro entre os dois grupos. O processo foi gradualmente compreendido, aceito, praticado e defendido pelos participantes. O grupo amadurecia pelo extraordinário desempenho dos membros da diretoria executiva e a incondicional disponibilidade e dedicação dos acionistas.

O sucesso do primeiro ano de trabalho foi traduzido pelo faturamento recorde da empresa de mais de R$550 milhões com rentabilidade acima das empresas congêneres e a empresa foi recertificada com expressivos elogios da equipe de auditores externos.  As reuniões tornaram-se mais amplas, objetivas e melhor estruturadas. Emergiram lideranças.

A empresa identificou um local para instalar uma nova sede que, naquela oportunidade pareceu-nos a todos superdimensionado, mas os executivos foram hábeis e competentes para demonstrar os ganhos de sinergia, racionalização de processos e interação entre as equipes. A empresa mudou, inclusive de endereço. Confesso que me emociono ao lembrar os primeiros dias da transferência para a nova sede. Cada dia a empresa amanhecia nova, sinalizando para o futuro a sua disposição em crescer e consolidar-se.
A decisão compartilhada da configuração do lay out do novo prédio, que abrigou todos os escritórios até então espalhados em quatro endereços, simbolizou o grau de amadurecimento do processo. As salas dos diretores foram dispostas lado a lado e suas equipes foram alocadas em saguão, a frente de suas salas, literalmente aberto, sem divisórias ou baias. Em outro bloco do prédio foram dispostas as salas dos acionistas, também uma ao lado da outra, sem portas. Foi montada também a sala do Conselho que, naturalmente, emergia.
A instalação da nova sede coincidiu com o extraordinário amadurecimento da equipe de diretores executivos que agora debatiam de forma abrangente todos os assuntos, preparavam síntese das decisões e as apresentavam aos acionistas que, de forma compartilhada, deliberavam.

A partir daí iniciei os ensaios para a configuração do novo espaço de poder na estrutura organizacional: o Conselho de Administração.  Dalí derivariam todos os próximos passos para dar musculatura à uma organização que faturaria naquele ano perto de R$800 milhões, com os olhos postos na governança corporativa, como ditam as melhores práticas do mercado aberto de ações.

Fizemos a primeira reunião do Conselho de Administração, composto pelos quatro acionistas, um consultor externo e eu, que havia sido convidado para ser membro efetivo. Quem conduziu a reunião foi um dos acionistas. Terminada a reunião histórica, pedi a eles um tempo para conversarmos. Nessa conversa comuniquei a eles que declinava do convite de ser membro do Conselho. Dava ali por terminada, pelo menos nessa etapa, minha contribuição.

Mantenho contato regularmente com eles, e para minha satisfação os vejo evoluindo a passos largos para se tornarem uma das empresas mais bem estruturadas do setor.


Até breve.

sábado, 21 de maio de 2011

FRACESSO



Hoje vou relatar uma experiência da qual pude tirar lições distintas. Por um lado posso julgar como fracasso o investimento de centenas de horas dedicadas ao projeto, mas em outra perspectiva posso reconhecer que grandes e importantes transformações decorreram das atividades empreendidas ao longo de mais de dois anos de trabalho intenso. Daí a razão pela qual nomeei este post de FRACESSO. Misto de fracasso e sucesso.

SETOR: Saúde. NÚMERO DE INSTITUIÇÕES: 23 hospitais de Belo Horizonte, 21 do Estado da Bahia e 19 de Curitiba. FATURAMENTO: R$ 8,0 bi/ano. PROJETO: Aliança Estratégica para a Excelência. CONTRATAÇÃO: Acionistas. PROPRIEDADE: familiar, instituições filantrópicas, sociedade por cotas, fundações. GESTÃO: Imensa disparidade nos processos, sistemas, instalações, controles e procedimentos operacionais tanto na hotelaria quanto na prestação de serviços de atendimento à saúde. Grandes somas de prejuízos, setor absolutamente cindido, com alto nível de rejeição entre parceiros. Concorrência predatória grave com imensos reflexos na qualidade de propósitos das instituições. Distribuição inadequada de recursos estratégicos: talentos humanos, equipamentos e tecnologia. Baixíssimo comprometimento do corpo clínico. Pressão por melhores preços e qualidade dos serviços por parte dos administradores de planos de saúde. Abordagens e conceitos diversos entre as instituições com imensa dificuldade na troca de dados e informações.

Ao longo da minha vida jamais poderia imaginar que eu pudesse estar exposto ao conjunto de tantas variáveis simultâneas, de tamanha complexidade e de tão elevado impacto, pois o que estava em jogo era a vida humana. Agradeço por isto. Penso que construímos entre os membros da alta cúpula de todas as instituições envolvidas um pacto histórico. Até então nenhum movimento ou iniciativa havia sido possível e ações isoladas que foram tentadas redundaram em fracasso, algumas delas com amargas seqüelas entre as partes. 

Impossível relatar aqui todo o conjunto de planos, métodos, tecnologias, conceitos e estratégias que foram empreendidas. Seria indispensável que fizéssemos registro de todo o processo. Quero ficar com isto como uma dívida e quero poder resgatá-la um dia com o apoio de parte dos profissionais que tiveram o privilégio de estarem, tanto quanto eu, envolvidos em tão extraordinária empreitada. Deixo aqui aberto o meu convite.

Todas as instituições tiveram oportunidade ímpar de fazer profunda, abrangente e intensa reflexão sobre todos os campos de resultados. Inúmeros esforços foram despendidos em prol de uma revisão organizacional ampla e várias decisões foram tomadas em benefício de melhores práticas de gestão. Diversas oportunidades de discussão da propriedade, dos poderes de decisão, dos métodos de gerenciamento técnico, administrativo e dos corpos clínicos. Dezenas de reuniões, negociações e trabalhos compartilhados entre as instituições e os planos de saúde. Mobilização geral para envolver o corpo clínico nas questões internas da administração dos serviços. Centenas de horas investidas em construir um glossário de termos  a serem universalizados dentro da Aliança para que se fizesse possível uma comunicação mais fluída e transparente. Imensos esforços inenarráveis.

Ainda hoje me perguntam o que aconteceu que a Aliança pela Qualidade e Excelência perdeu fôlego antes de concluir o seu grande propósito: fazer um grande acordo de interesses entre os acionistas dos hospitais, os planos de saúde, fornecedores de equipamentos, laboratórios, empresas de serviços complementares diversos e os médicos, que pudesse ter como resultado principal o melhor atendimento aos seus clientes.

Reside ai minha visão de fracasso: não fomos capazes o suficiente para atingir esse grande e transformador acordo. Lembro-me bem de uma das últimas reuniões do grupo de titulares (assim eram chamados os membros do Comitê estratégico da Aliança, acionista ou o principal executivo da instituição participante). 

Na chegada ao local da reunião recebi o apoio de vários membros que pediram, encarecidamente, que eu lutasse para que o projeto não esvaziasse. Eu senti que minha capacidade havia se esgotado e que profundos interesses minavam a possibilidade de êxito. Jamais vou me esquecer do que disse num momento crítico da reunião: alguns de vocês, que são médicos, sabem melhor do que eu que não há possibilidade de tratamento quando está instalado no paciente o desejo de morte.  Agradeci ao grupo pela oportunidade e me despedi de todos em seguida.
   
Por outro lado, tenho certo, todos saíram muito melhor do que entraram e aqueles que pós-processo feneceram jamais poderão debitar à Aliança. Daí minha perspectiva de sucesso.

Tenho a esperança que isto ainda seja possível. Inúmeros ganhos de resultados a todos os envolvidos advirão daí e um, em especial, o melhor cuidado conosco enquanto seres humanos que procuramos o serviço de saúde nos momentos de maior expectativa em sermos bem acolhidos.


Até breve.

FRACASSO


Sou o oitavo de uma família de dez filhos. Forjei-me pela necessidade de harmonia. Acho que devo a esse fato a prática do meu ofício que não é outro senão a busca de ações que enderecem à harmonização de interesses.

Tratarei aqui hoje, amanhã e domingo da busca por resultados pelas organizações empresariais. Os atores do processo empresarial têm interesses naturalmente antitéticos (embora, muitas vezes, até antagônicos): de cada um uma tese que do outro implica uma antítese. Entendo que a consultoria deve contribuir por uma síntese.

As FACES são complexas. F de fornecedores, A de acionistas, C de clientes e de concorrentes, E de empregados e S de sociedade. Aos acionistas VALOR enquanto aos fornecedores PREÇO; aos clientes VALOR, enquanto aos acionistas PREÇO; aos acionistas LUCROS, enquanto aos empregados SALÁRIOS; aos acionistas ESTABILIDADE, enquanto aos concorrentes ESPAÇO; aos acionistas PROGRESSO, enquanto à sociedade NATUREZA; aos acionistas INVESTIMENTOS, RETIRADAS, DIVIDENDOS, enquanto à sociedade TRIBUTOS. E tome antíteses ou antagonismos de toda sorte abarrotando as câmaras de arbitragens, juntas de conciliação e julgamento, tribunais de diferentes instâncias.

Sempre achei que tinha lugar para todos lá em casa. Nunca optei por apoiar esse ou aquele irmão. Acho que, por isso, a vida me impôs a escuta. Santo aprendizado.

Trago aqui, colhidos dos últimos anos, três processos que conduzi em formulação estratégica com vistas a resultados. Em todos os três fui contratado diretamente pelos acionistas. Difícil concluir por uma avaliação. Nesse assunto quase sempre o juízo de valor varia: depende de que lado aquele que avalia está: se do cabo ou do chicote. De qualquer forma, saí de todos os três projetos, após cerca de dois anos de desenvolvimento de cada um deles, encorajado pelos acionistas a seguir na minha busca de harmonia.
Optei por nomear os três processos como: FRACASSO, FRACESSO E SUCESSO. Hoje conto o fracasso, amanhã o fracesso (misto de fracasso e sucesso) e no domingo conto o sucesso.

FRACASSO
SETOR: Varejo. PONTOS DE VENDAS: 65. FATURAMENTO ANUAL: R$450 milhões. PROPRIEDADE: Complexa.  Familiar. Nos registros oficiais: 51% do patriarca fundador, 49% distribuídos entre sete irmãos. De fato: doação não registrada pelo fundador de 33% do total de ações para uma das filhas, acordos verbais entre alguns dos irmãos e contratos de gaveta entre outros. Empréstimos contraídos entre eles não pagos, alguns sequer registrados, além de demandas judiciais entre um e outro. GESTÃO DO NEGÓCIO: Caótica. Indefinição de responsabilidades e autoridade difusa, com presença do fundador pairando as decisões. Todos os membros da família com sérias questões de saúde física, psicologia e até moral. Executivos fracos, declínio de marca, perda de credibilidade comercial, sonegação em todos os níveis (até o previdenciário), crise de crédito e financeira, roubo de produtos e acordos fraudulentos envolvendo executivos, fornecedores e um dos acionistas. Estrutura organizacional, instalações, sistemas, processos totalmente obsoletos, empregados não preparados, desaparelhados e seriamente comprometidos na auto-estima, motivação e sentimento de pertença. Um caos.

Impossível relatar aqui todo o processo da intervenção consultora. Foram inúmeras horas de extraordinários embates, debates, sessões de trabalho. O patriarca foi afastado da gestão, cuidadosa e lentamente. Convidei um colega com quem havia trabalhado anos antes, especialista em controladoria, para dirigir o negócio. Todos os filhos foram retirados dos papeis executivos, dois deles mandados para casa onde recebiam um valor mensal independente dos resultados da empresa. Em sessões intermináveis com os acionistas, uma vez por semana,  drenavamos os espíritos, o executivo contratado para dirigir a empresa trazia informações e decisões eram encaminhadas. Meu foco principal era sanear primeiro a empresa, depois e se fosse possível “salvar” o que sobrasse da família. Limpamos a casa: descobrimos e intervimos sobre de gargalos logísticos a esquemas pesados de desvios de produtos, caixa, todo tipo de assédios, relações espúrias, conchavos com membros da família. Um horror. 

Fizemos acordos com fornecedores com alto nível de qualidade em todos os sentidos, banimos outros, forjadores de esquemas. Refinanciamos junto à cidade, ao estado e à união a imensa dívida fiscal, parcelando os tributos. Conseguimos pactuar com bancos de primeira linha e abrimos crédito especial junto a um banco de fomento. 

Recuperamos o moral da equipe, estruturando papéis e implantando sistema de remuneração por produtividade. Voltamos à mídia e, de certa forma, recuperamos a credibilidade junto a clientes. Os resultados começaram a sinalizar num primeiro momento estabilização e em seguida tendência de expressiva melhoria. A crise estava controlada. A família blindada e as ações necessárias ao processo de restauração sendo empreendidas, nas circunstâncias, a contento.

De zero a dez, estávamos em cinco. Achei que era hora de me dedicar à questão societária e de empreender um acordo limpo, sadio e transparente entre os acionistas. Saneada a gestão do negócio, me sentiria gratificado se pacificasse a propriedade e partisse para uma terceira etapa: a sucessão para a terceira geração. Concentrei-me nessa tarefa e descuidei-me do controle da gestão e confiei na competência e, sobretudo, integridade do colega executivo e toda a equipe contratada por ele para implementar e consolidar o projeto.

Decisões tomadas pelo executivo equivocadas e/ou a revelia do grupo das reuniões semanais, negligência com assuntos de relevância extrema, relacionamento amoroso tempestuoso com funcionária da equipe com sérios impactos, foram engenhosamente tecidos e levados ao conhecimento de parte do grupo de acionistas.  Recaída letal. Trouxeram o patriarca de volta, pediram a cabeça do executivo e passaram a disputar novamente o comando. Eu capitulei.

Lembrei-me hoje de uma das reuniões semanais quando discutimos a retirada do imenso painel publicitário que tomava conta de toda a fachada de um dos principais pontos de venda da rede. A assembléia municipal havia promulgado a lei de adequação de placas, letreiros, etc. Por força de determinação legal estávamos obrigados a retirar o painel e seguir as especificações estabelecidas pela nova norma jurídica. Meus argumentos foram vãos, os acionistas insistiram em resistir e decidiram manter o painel.

Ainda me entristeço quando às vezes passo em frente à loja. As placas rigorosamente dentro das especificações da lei anunciam que aquele ponto de venda faz parte da rede do principal concorrente  à época da minha intervenção consultora.

Recentemente fui convidado para a missa de sétimo dia do patriarca. Fui, muito respeitosamente, levar meus pêsames à família.


Até breve.